TIC: Consumo de serviços e produtos de ‘telecom’ cresce 10% e vai para R$ 175 bi

  

Cesta de compras do brasileiro mudou e a necessidade de estar conectado aumentou

O mercado consumidor de telecomunicações deverá movimentar R$ 175 bilhões neste ano com serviços de telefonia, pacotes de TV, telefone e internet, e compra de celulares e acessórios. O montante representa crescimento potencial de 10,1% em relação ao ano passado e de 32,53% frente a 2019, pré-pandemia.  

Isso é o que mostra a pesquisa IPC Maps, da IPC Marketing Editora, que atua com pesquisas há quase 30 anos. O crescimento detectado na pesquisa é nominal, toma por base os preços vigentes e pode ter margem de erro de 5%.     

O avanço em telecomunicações é bem mais robusto do que a expectativa de consumo geral das famílias em 2022, conforme pesquisa mais ampla da IPC, que analisa 22 setores da economia. Segundo o estudo, o consumo geral nacional deve movimentar em torno de R$ 5,6 trilhões neste ano, com acréscimo de apenas 0,92% na comparação com 2021.   

Especialistas ouvidos pelo Valor consideram que os dados mostrados pela IPC para telecomunicações são coerentes com a realidade do país.  

Marcos Ferrari, presidente-executivo da Conexis, entidade que representa grandes operadoras de telefonia, diz que “a pandemia alterou a cesta de consumo da sociedade e a conectividade tornou-se vital”. Ferrari, que foi secretário de assuntos econômicos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão no governo de Dilma Rousseff, observa que “a vida das pessoas, as empresas, os negócios adquiriram uma nova forma com a importância da conexão.” Lembrou que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostra que 98% das pessoas acessam a internet via celular.  

Marcos Pazzini, sócio da IPC Marketing e responsável pela IPC Maps, explica que os gastos em telecomunicações subiram apesar do maior desemprego. A população procurou alternativas de renda, surgiram novos aplicativos de delivery, de transporte, entre outros. Motoristas de aplicativos e motoboys dependem de internet. A dependência de conexões demandou o setor.  

A IPC mostra também que foram criadas 1.261 novas empresas no setor a partir de 2021, com acréscimo de 2,2% em um ano, para um total de 57.805.  

O crescimento de serviços está ‘bombando’ e vai continuar, afirma Vivien Suruagy, presidente da Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra). Essas empresas preveem gastar neste ano cerca de R$ 20 bilhões com serviços de infraestrutura para operadoras, prestadores de pequeno porte e provedores, um avanço de 10% a 20% ante 2021, pelo levantamento informal feito por Suruagy.  

“Acho que é totalmente razoável esse crescimento”, diz Luca Belli, coordenador e professor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, referindo-se ao aumento de consumo no setor de telecomunicações detectado pela IPC Maps. Belli lembra que dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nas últimas semanas, mostravam aumento de pessoas conectadas, do uso de celular e da TV conectada. “Porém, é preciso ser mais crítico para entender essas estatísticas”, afirma Belli. Nem todos os brasileiros estão conectados. A população de menor renda não tem conexão, não consegue navegar na internet. E uma boa parte dos brasileiros com acesso a esse tipo de tecnologia “tem franquia muito limitada, é uma fratura digital.”   

Pazzini explica que foram analisadas as principais categorias de consumo em telecomunicações - a telefonia fixa, que vem há anos decrescendo em importância para os usuários; o celular, que se tornou o principal dispositivo no dia a dia das pessoas; o combo, que reúne entretenimento e trabalho; e o carregador, que ganhou importância principalmente depois que fabricantes decidiram vender esse acessório à parte dos smartphones 5G de novas gerações tecnológicas, tanto iPhone quanto diversas marcas do sistema Android.  

Os gastos em telecomunicações foram extraídos das despesas da habitação - pagamento de água, luz, telefone, internet etc - e representam 3,3% do consumo das famílias.  

“O Brasil está sempre entre os tops em termos de consumo, seja de serviços de telecomunicações, seja de dispositivos móveis, acessórios e aparelhos, diz Matheus Rodrigues, sócio da consultoria Deloitte Brasil e especialista na indústria de TMT (sigla para tecnologia, mídia e telecomunicações).  

O crescimento do consumo de produtos e serviços de telecomunicações no Brasil já havia sido notado pela Deloitte. Rodrigues cita que o estudo de sua empresa mostra que o Brasil lidera cinco de seis pilares do setor de telecomuniações ao ser comparado com Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão. À frente em streaming de música, games, redes sociais, navegar pela internet; mídia, vídeos, show e cinema. O Brasil só não lidera streaming de shows e filmes em casa.  

De acordo com a IPC Maps, a variação dos gastos por estrato social tem média semelhante, com alta de 9,51% a 10,6% em todas as categorias neste ano versus o ano anterior. Na análise segmentada por itens, telefonia fixa projeta o menor crescimento (9,51%).  

A perda de importância da telefonia fixa fica mais evidente ao se observar as receitas previstas em 2022 frente a 2019, com queda de 80,58%, para R$ 10,15 bilhões. “Pouca gente depende de telefone fixo e muitos que ainda o têm em casa é por comodidade, porque se cancelar o fixo no pacote, o preço sobe”, explica Pazzini.   

Na telefonia móvel a projeção é de alta de 35% no consumo, para R$ 58,37 bilhões. Os pacotes de telefone, TV e internet devem subir 167,03%, alcançando R$ 58,42 bilhões, enquanto a venda de aparelho celular e acessórios sobem 229,30%, a R$ 47,94 bilhões.  

Pazzini lembra que essas variações são nominais. Parte importante do aumento das vendas de celulares deve-se a preços mais salgados. Para se ter o crescimento real é preciso considerar a inflação de 2019 até agora. Segundo cálculos do Valor Data, o IPCA, índice oficial da inflação no país, acumula alta de 25,26% de janeiro de 2019 a agosto deste ano. Neste ano, o IPCA acumula alta de 4,39%, e em 12 meses, até agosto, de 8,73%.  

Mesmo com a inflação anual na casa de 5% a 6% nos últimos anos, tem crescimento em telecomunicações, afirma Fernando Moulin, professor do Insper e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e sócio da consultoria Sponsorb. Para Molin, que já trabalhou em operadoras de telefonia, o crescimento apontado na pesquisa é justificado pela mudança de hábito das pessoas e a tendência é que isso continue. “A transformação digital aponta o Norte, com mudança cultural, econômica e social”, diz ele.  

Molin concorda que o cenário macroeconômico para 2023 é, de fato, desafiador. O que não muda são as condições microeconômicas, e uma delas é o hábito, as pessoas querem estar conectadas.  

O celular, por outro lado, acrescenta Pazzini, puxa o maior crescimento porque quem o usava eventualmente, na pandemia precisou comprar um aparelho melhor para trabalhar em casa, fazer chamadas de vídeo.  

Reinaldo Sakis, gerente de pesquisa e consultoria de aparelhos de consumo da IDC Brasil, diz que a estimativa para venda de celulares é de crescimento de dois dígitos, em valor, neste ano. Sakis atribui o aumento à mudança do mix de produtos, ao preço mais alto e repasse de custos aos produtos e componentes pelos problemas de fabricação na Ásia. Em unidades, a estimativa da IDC é de queda de 5% em 2022, apesar na nova tecnologia de 5G, pois os varejistas estão “bem estocados”.   

Em 2021, a IDC registrou queda de 6,1% nas vendas por unidades versus 2020. No segundo trimestre de 2022, houve alta de 3,1%, com a venda de 11,3 milhões de aparelhos. Em receita, de maio a junho, a venda de celulares cresceu 14,1%, para R$ 17 bilhões, em base anual. No semestre, a receita chegou a R$ 36,7 bilhões, sendo 16,8% acima dos seis primeiros meses de 2021.  

“O crescimento de [celulares] 5G é excepcional, acima de 3 dígitos em unidades”, diz Sakis. Mas, como o avanço ocorre sobre uma base ainda pequena de smartphones 5G, isso não fará diferença este ano. Para Moulin, a Copa do Mundo deve ajudar a vender mais celulares no quarto trimestre.  

Pazzini diz que a tendência de alta para os gastos em telecomunicações seguirá em 2023. Belli, da FGV, prevê desaceleração na taxa de expansão.

Fonte: Valor (27/09/2022)