Previdência privada, investimento ou seguro de vida?
Apesar de não poder ser considerado de recente concepção (tendo sido criado em 2001), o VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) vem se tornando uma alternativa de capitalização cada vez mais popular nos últimos anos.
Por outro lado, a jurisprudência do STJ ainda não é consonante quanto à sua natureza jurídica, ora considerando-o previdência privada, ora entendendo se tratar de investimento e, ainda, de contrato de seguro, o que leva a dúvidas quanto à regulação dos VGBL e seus efeitos nas relações privadas.
Como exemplo da relevância da definição sobre sua natureza jurídica, tem-se que, caso ela seja considerada securitária, o VGBL deve ser regulado pelas disposições gerais relativas ao contrato de seguro e, mais especificamente, ao contrato de seguro de pessoa, contidas no Código Civil, o que evidentemente não deverá ocorrer caso tenha natureza de previdência privada. Além disso, o seguro não é considerado para fins de partilha e, portanto, não poderá sobre ele incidir o ITCMD, ao contrário do que ocorre com os investimentos em geral, como aqueles feitos em caderneta de poupança. Sem a pretensão de esgotar a utilidade de se estabelecer a natureza do VGBL, é de se mencionar, por fim, a diferença de tratamento pelo CPC para fins de penhorabilidade quando se está diante de contrato de seguro privado, plano de previdência privada ou investimento.
O que é o VGBL
O Vida Gerador de Benefício Livre é classificado pelo CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados) como uma espécie de plano de seguro de pessoas, nos termos da Resolução nº 348 de 2017.
Nos termos em que se opera, porém, o enquadramento do VGBL como seguro de pessoas não é tão nítido. O contrato se dá da seguinte maneira: os optantes pelo VGBL pagam valores à seguradora durante um intervalo de tempo e o montante acumulado é aplicado em quotas de fundos de investimento especialmente constituídos. Nesse interregno, denominado período de diferimento, é possibilitado ao contratante o resgate ou portabilidade, total ou parcial, do valor pago à seguradora. Após o período de acúmulo, ocorre a concessão do benefício. O benefício pode ser pago na forma de renda ou de pagamento único, ficando subordinado à sobrevivência do estipulante ao período de diferimento e pode beneficiar o próprio contratante ou um terceiro por ele escolhido no momento da contratação.
O VGBL é, tanto quanto aos seus elementos, quanto à sua regulação, idêntico ao PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), que é, por sua vez, definido pelo CNSP como plano de previdência privada aberta. Apesar de o VGBL e o PGBL serem as espécies planos mais difundidos, eles integram uma categoria de planos mais abrangente, e que inclui outros tipos de planos: são os chamados planos com cobertura por sobrevivência.
Em apertada síntese, os planos com cobertura por sobrevivência se diferenciam dos planos com cobertura de risco pois o pagamento do benefício nestes últimos ocorre com o advento do termo, que consiste no evento contra o qual se pretende segurar (no caso do seguro de pessoas, em geral o evento é a morte ou a invalidez).
A principal diferença entre o VGBL e o PGBL diz respeito aos efeitos tributários decorrentes de cada um, a respeito dos quais não se aprofundará no presente artigo. Trata-se de uma diferença quanto aos efeitos, e não quanto aos elementos. Em razão de sua semelhança intrínseca, alguns dos julgados que buscam estabelecer a natureza do VGBL o fazem em conjunto com o PGBL, como se verá a seguir. O objeto de análise desta coluna, no entanto, não contempla o PGBL, mas somente o VGBL, razão pela qual julgados que tratam exclusivamente daquele foram desconsiderados.
Entendimentos do STJ
Em 2014, ao julgar o REsp 1.698.774/RS [1], em que se discutia a possibilidade de se partilhar VGBL após a dissolução de vínculo conjugal, a 3ª Turma do STJ entendeu que tanto o VGBL quanto o PGBL seriam, durante o período de diferimento, espécies de plano de previdência privada aberta com natureza preponderante de investimento e, a partir do início do período de recebimento do benefício, o contrato passaria a ter natureza previdenciária.
Nesse sentido é o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi: "A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é evidentemente marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, (...). Entretanto, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento (...)".
Entre ministros da 4ª Turma, de outro modo, encontravam-se decisões monocráticas nas quais se defendia que o VGBL possui natureza de seguro de pessoas [2]. O fundamento utilizado foi a classificação utilizada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão subordinado ao CNSP.
Na ocasião do julgamento do REsp 1.880.056/SE [3], foi ressaltado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva em seu voto-vista que o entendimento sobre a natureza jurídica do VGBL, adotado na decisão sobre o REsp 1.698.774/RS, divergiu daquele proferido em 2014 pela 2ª Sessão de Direito Privado do STJ no julgamento dos Embargos de Divergência em REsp 1.121.719/SP. A 2ª Sessão havia entendido, a fim de afastar a penhorabilidade do plano, que a faculdade de que o participante de plano de previdência privada aberta (PGBL e VGBL) faça o resgate antecipado das contribuições "(...) não tem o condão de afastar, de forma inexorável, a natureza essencialmente previdenciária e, portanto, alimentar, do saldo existente".
De forma a manter o juízo anteriormente aderido pela 2ª Sessão, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva acompanhou o voto da relatora ministra Nancy Andrighi com fundamentação diversa, defendendo que o VGBL e o PGBL têm natureza previdenciária para todos os fins, tanto no período de diferimento quanto no período de concessão do benefício, exceto se caracterizado, no caso concreto, o intuito de constituir mero investimento ou de blindagem patrimonial.
Em ocasião seguinte, ao deliberar sobre a existência de dever de trazer à colação os valores acumulados em PGBL, no REsp 1.726.577/SP [4], a 3ª Turma reiterou as razões adotadas no REsp 1.880.056/SE para considerar a natureza, tanto do PGBL quanto do VGBL, como sendo de investimento, e não de seguro de pessoas, afastando a incidência do art. 794 do Código Civil.
Em seu voto-desempate que acompanhou o voto da relatora ministra Nancy Andrighi, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino transcreve trecho da Dissertação de Mestrado de Ivy Cassa, que comparou os CV (planos de contribuição variável), dos quais são exemplos os PGBL e os VGBL, aos contratos de seguro. No texto, demonstra-se que os elementos dos contratos de seguro — empresarialidade, garantia, interesse, prêmio e risco — não estão presentes nos CV da mesma forma. Especialmente quanto ao risco, a autora esclarece que "o risco que existe nos planos de previdência privada de CV, e que se relaciona com os valores aportados na reserva matemática é apenas o risco financeiro (típico das operações financeiras) e não o risco puro ou atuarial, próprio dos contratos de seguro". Ou seja, enquanto os contratos de seguro atuam contra um risco predefinido, os CV atuam apesar dos riscos típicos de operações financeiras.
A controvérsia entre as Turmas de Direito Privado pode ter sido superada, tendo em vista que a 4ª Turma do STJ reconheceu a existência de jurisprudência do STJ de que o VGBL possui natureza de investimento durante o período de diferimento no julgamento do AgInt no AREsp 1.357.826/SP [5].
O mesmo não ocorre com relação à 2ª Turma do STJ, que vem defendendo a natureza securitária do VGBL, como ocorreu no julgamento do REsp 1.963.482/RS, de relatoria da Min. Assusete Magalhães, em que se afastou a incidência de ITCMD sobre o benefício do VGBL transmitido em razão da morte do estipulante[6] por não ser considerado herança, nos termos do artigo 794 do Código Civil. A relatora faz a ressalva de que, a seu ver, a noção de que o VGBL tem natureza de seguro não seria incompatível com as decisões da 3ª Turma do STJ, para as quais o VGBL tem natureza de investimento. Em seu voto, ela assevera que "com a morte do segurado, sobreleva o caráter securitário do VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em favor do terceiro beneficiário (...)" [7].
Se as duas linhas de definição forem simultaneamente aceitas, será reconhecido um caráter tríplice ao VGBL: no período de diferimento, se estaria diante de investimento, que passaria a ter natureza previdenciária com o início do período de concessão do benefício e culminaria em seguro após a morte do estipulante.
Fonte: Consultor Jurídico (05/09/2022)
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