Senado deveria barrar medida que privilegia diretores dos fundos de previdência dos servidores
Parlamentares não perdem a oportunidade, especialmente em ano eleitoral, de fazer valer a máxima orwelliana de que todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Na quarta-feira (2/9), a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) 1.119, que permite a diretores de fundos de previdência de servidores receber mais que o teto salarial do funcionalismo, hoje em R$ 39.294 (correspondente ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal).
A mágica foi obtida mudando a natureza jurídica dos fundos, de fundação pública para fundação privada. Deputados que tentaram suprimir esse trecho da MP foram voto vencido. Um absurdo que ignora a dura realidade da maioria da população brasileira.
Não foi o único disparate na MP oportunista. O texto também reabre o prazo para que servidores em atividade migrem para um fundo de previdência complementar. Quem optar pela mudança terá aposentadoria limitada ao teto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), hoje em R$ 7.087 (ou R$ 7.612 no ano que vem, conforme previsão no Orçamento para 2023 enviado ao Congresso).
Aparentemente, uma medida saneadora. Mas não é bem assim. Os que aderirem à nova regra receberão um complemento decorrente da rentabilidade das aplicações do fundo de pensão e uma compensação pelo tempo de contribuição acima do teto do INSS. Ainda poderão contar, para efeito de cálculo do benefício, somente as maiores contribuições, e não todas, como prevê a reforma da Previdência. Uma das vantagens da migração se reflete no aumento de salário do servidor.
Estima-se que a MP alcançará 292.181 funcionários públicos do Executivo, Legislativo e Judiciário que ingressaram até 2013, quando foi instituído o regime de aposentadoria complementar para a categoria (os que entraram depois já recebem o benefício até o teto do INSS). É frágil o argumento de que a mudança não é vantajosa para todos — o governo calcula que “apenas” 98.900 devam optar pelo novo sistema. Não é pouca coisa — é mais que a população de 80% dos 5.570 municípios brasileiros.
É sabido que o funcionalismo público brasileiro, em especial sua elite, vive num mundo à parte: estabilidade no emprego, aposentadorias generosas, benesses que não encontram paralelo na iniciativa privada, prebendas por tempo de serviço e não por mérito (degradando a qualidade do serviço público), penduricalhos que furam o teto, e por aí vai. Não é perpetuando esses privilégios que se buscará um país mais justo e menos desigual, como vendido nas propagandas eleitorais dos candidatos das mais diversas legendas.
O Senado, para onde seguirá o texto da MP 1.119, deveria barrar esses absurdos. Num ano eleitoral, é pouco provável que os senadores queiram se indispor com uma categoria — de que fazem parte — com amplo poder de mobilização e pressão para perpetuar seus privilégios. Infelizmente, a usina que produz desigualdades continua a todo vapor.
Fonte: Editorial O Globo (03/09/2022)
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