domingo, 12 de abril de 2020

Comportamento: Rituais de Páscoa, Pessach e Ramadã se adaptam à Covid-19. Boa Páscoa a todos e fiquem em casa!



Em meio à nova realidade, Papa reza missas sem fiéis, famílias judias se reúnem por videoconferência e mesquitas são fechadas

Numa Basílica de São Pedro praticamente deserta, o Papa Francisco homenageou os que morreram cuidando de pacientes do novo coronavírus, durante a missa desta Quinta-feira Santa. A homilia foi mais uma lembrança de que a Covid-19 não mudou apenas o cotidiano, mas também que está forçando as tradições religiosas — como as respeitadas por cristãos, judeus e muçulmanos — a se se adaptarem às limitações impostas para conter a propagação da doença.

Com metade da Humanidade sob isolamento e mais de 140 países com restrições de viagens e movimentação, os ritos da Páscoa, do Pessach e do Ramadã precisaram ser suspensos ou afrouxados, recorrendo a dispositivos tecnológicos para a realização de cultos e para reencontros familiares, mas dificilmente se esquecendo da pandemia.

— Nesses dias, mais de 60 (padres) morreram na Itália cuidando dos enfermos, nos hospitais. Junto com médicos e enfermeiros, eles são os santos da porta ao lado — disse o Papa numa homilia improvisada, transmitida pela TV e pela internet.

Para os cristãos, a Semana Santa teve um início pouco tradicional: comumente realizada na Praça de São Pedro para dezenas de milhares de fiéis, a missa do Domingo de Ramos foi rezada pelo Papa Francisco dentro da Basílica de São Pedro no último final de semana. A cerimônia contou com a presença de pouquíssimos convidados, todos respeitando as diretrizes de distanciamento social e vários usando máscaras.

Outros ritos católicos nos dias que antecedem a Páscoa, data que marca a ressurreição de Cristo, também serão adaptados. A Via-Sacra, procissão da Sexta-Feira Santa cujo trajeito percorre 14 estações que simbolizam a Paixão de Cristo, ocorre habitualmente nos arredores do Coliseu, em Roma. Com a Itália sob quarentena desde o dia 9 de março, a celebração deste ano acontecerá em uma Praça de São Pedro sem fiés.

Missas a portas fechadas
O mesmo acontecerá com a Urbi et Orbi, bênção concedida pelo Papa no domingo de Páscoa. Frente à seriedade da pandemia, Francisco fez algo sem precedentes no último dia 27, dando a bênção e a indulgência plenária aos 1,3 bilhão de católicos e perdoando-os de seus pecados.

O Vaticano emitiu ainda diretrizes para que párocos e bispos em regiões sob quarentena adiem liturgias que podem ser postergadas e celebrem missas sem que os fiéis estejam fisicamente presentes. Os párocos, orienta o decreto, deverão informar “o horário das celebrações para que [as pessoas] possam se unir em oração de suas casas”. Transmissões ao vivo pela televisão e pela internet também serão adotadas por diversas dioceses que fecharam temporariamente suas portas.

Um ano após o incêndio que a devastou, a Catedral Notre-Dame, em Paris, celebrará uma missa de Sexta-feira da Paixão, na presença de apenas sete pessoas. A França é o quinto país em número de casos, com mais de 83 mil, e contabiliza mais de 3 mil mortes.

— Apenas poucos padres assistirão à missa, mas as pessoas poderão acompanhar pela TV e pelo rádio — contou o arcebispo de  Paris, Michel Aupetit, em uma videoconferência.

Em Israel, com as restrições de movimentação decretadas pelo governo, as procissões foram canceladas na Terra Santa, e as missas deverão acontecer a portas fechadas, mais uma vez se valendo de recursos tecnológicos para chegar aos fiéis.

Pesach: videoconferência causa polêmica
Pelo mundo, cristãos — católicos ou não — recorrerão à tecnologia para estarem ao lado da família, especialmente no domingo de Páscoa. O uso destas ferramentas, no entanto, é uma polêmica no Pessach, que começou na quarta-feira e vai até o dia 16. Durante os dois primeiros e os dois últimos dias da Páscoa judaica, que marca a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, muitos judeus ortodoxos não usam eletricidade.

Diversos rabinos seculares emitiram comunicados favoráveis à transmissão de jantares via ferramentas de videoconferência, no entanto o rabino-chefe de Israel, país que está sob uma estrita quarentena, se opôs à possibilidade, chamando-a de “profanação”.  O obstáculo maior ocorreu na noite de quarta, data maior celebração da semana, o Seder, quando as famílias e comunidades tradicionalmente se reúnem em grandes jantares. Alguns combinaram de preparar a mesma receita para sentirem como se estivessem compartilhando o mesmo momento.

As restrições alimentares do período também trouxeram consigo novos dilemas. Pela tradição religiosa, os judeus devem evitar comer cinco tipos de grãos durante o período — trigo, espelta, cevada, aveia e centeio — ingredientes-chave de muitas comidas não perecíveis estocadas durante a quarentena. Para muitos judeus ashkenazi (provenientes da Europa Central e Europa Oriental), as limitações alimentares são ainda mais amplas, englobando diversos legumes, milho e arroz.

Nos dias que antecedem a Pessach, em épocas normais, muitos fiéis costumam a remover todas as comidas que levam esses ingredientes de suas casas. Uma prática comum que parece ter crescido neste ano é a “venda” dos alimentos para uma pessoa não-judia, que os vende de volta no final do feriado. Segundo o New York Times, uma plataforma online destinada para transações deste tipo teve vendas estimadas de 250 mil neste ano, em comparação com 90 mil em 2019.

Mesquitas fechadas no Ramadã no Irã
Os muçulmanos também terão seu Ramadã afetado pelo novo coronavírus. Celebrado neste ano entre os dias 23 de abril e 24 de maio, o período é voltado para o autocontrole, reflexão e orações. Durante o mês, os fiéis devem se abster de comidas, bebidas e sexo, entre outros elementos. Tradicionalmente, uma refeição é realizada logo antes do amanhecer e outra, após o pôr do sol, geralmente em mesquitas, entre parentes  e amigos.

Na Indonésia, lar da maior população muçulmana do mundo, há o temor de que dezenas de milhares de pessoas saíam da capital, Jacarta, transportando com elas o vírus para regiões menos afetadas. O vice-presidente Ma’ruf Amin fez um apelo para que a maior autoridade clérical do país proíba o êxodo anual, chamado mudik. O medo de que a população tente viajar para encontrar suas famílias é compartilhado: países como Alemanha, Austrália, França e Israel tomaram medidas adicionais, como o reforço do policiamento, para garantir que as pessoas fiquem em casa.

Já no Irã, uma das nações mais devastadas pela Covid-19, o aiatolá Ali Khamenei sugeriu que aglomerações públicas poderão ser banidas durante o mês sagrado. Medidas similares já foram formalmente anunciadas pelo governo egípcio, que baniu “todas as atividades religiosas congregacionais” durante o Ramadã.

As mesquitas do país deverão ficar fechadas até que não sejam confirmados mais casos do novo coronavírus no país e as tradicionais refeições comunitárias serão banidas durante o mês. O I’tikaf, em que muitos muçulmanos passam os últimos 10 dias do Ramadã em contemplação nas mesquitas, também não acontecerá.

Este é um cenário comum em outras nações do Oriente Médio e do Norte da África: Tunísia, Kuwait, Marrocos, Argélia e o Iraque estão entre as nações que restringiram o funcionamento de seus centros religiosos ou fecharam suas portas. Até mesmo a programação televisiva deverá ser alterada. Várias novelas populares exibidas durante o Ramadã tiveram suas gravações afetadas pelo vírus, segundo o The Arab Weekly.

Fonte: O Globo (09/04/2020)

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