O Tribunal Regional Federal da 5ª Região derrubou decisão liminar que obrigava as operadoras de saúde a cobrir o teste de sorologia para a detecção do novo coronavírus. O recurso foi impetrado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Os consumidores, no entanto, ainda podem fazer o teste de virologia pelos planos de saúde. Isto porque, a agência ainda não suspendeu a Resolução Normativa 458, publicada em 29 de junho, no Diário Oficial, que garante a cobertura do exame para cumprir a decisão judicial anterior. Enquanto a resolução estiver vigor, a cobertura está garantida.
O teste sorológico identifica a presença de anticorpos (IgA, IgG ou IgM) no sangue dos pacientes que foram expostos ao vírus em algum momento, independentemente de apresentarem sintomas da doença.
A expectativa é que a obrigatoriedade ou não da cobertura do teste sorológico seja discutida pela Câmara de Saúde Suplementar, que reúne representantes dos consumidores, empresas, e a conclusão, encaminhada à diretoria colegiada da ANS, único fórum com poder para suspender a resolução. A reunião da Câmara estava prevista para hoje, mas foi cancelada, e a da diretoria colegiada não tem data para acontecer.
Apesar de ter recorrido para derrubar a liminar, a ANS ressalta que a inserção do exame no rol de procedimentos obrigatórios dos planos de saúde ainda está sendo debatida.
A agência argumentou que todo novo procedimento incorporado no rol de coberturas obrigatórias deve passar por uma análise técnica, de eficácia e de impacto econômico, estudo este que ainda não tinha sido concluído.
A reguladora chama atenção para o fato que, desde o início da pandemia, "assegurou aos beneficiários de planos de saúde a cobertura obrigatória para o exame SARS-CoV-2 - pesquisa por RT – PCR e incluiu outros seis exames que auxiliam no diagnóstico e tratamento da Covid-19".
Na avaliação de Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, que reúne as maiores operadoras do setor, a decisão da Justiça " é, sobretudo, favorável aos beneficiários da saúde suplementar". Ela argumenta que os testes sorológicos são de baixa acurácia e podem levar a diagnósticos errôneos com relação ao tratamento para a covid-19.
- Há fortes evidências da baixa efetividade desses testes. De acordo com a Anvisa, dos 102 testes rápidos liberados até hoje, 44,1% apresentam não desempenho de acordo com o alegado pelo fornecedor. Além disso, segundo a publicação científica britânica The BMJ, em 34% dos casos os testes rápidos dão falso negativo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde também não os recomendam para diagnosticar a doença - ressalta Vera.
A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) reforça o posicionamento da FenaSaúde reforça em relação à acuidade dos testes sorológicos.
A Abramge afirma ainda que "a testagem sorológica em massa da população tem somente por finalidade informar ao gestor público o percentual da população exposta ao vírus, funcionando como inquérito imunológico, sem finalidade de orientações para medidas terapêuticas, nem de isolamento social".
A Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps), responsável pela Ação Civil Pública que resultou na obrigatoriedade de cobertura, informou que entrará com um recurso para comprovar a importância dos testes.
– A ANS mais uma vez mostra que atua em defesa dos planos de saúde e não dos consumidores. Se esse teste não é importante para o controle da pandemia, pergunto: por que a Anvisa autorizou sua realização, inclusive por farmácias? É um absurdo essa decisão e vamos brigar para revertê-la – afirma Renê Patriota, presidente da Aduseps.
Para o advogado Rafael Robba, especializado em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, não faz sentido a ANS recorrer de uma decisão que beneficiava quase 47 milhões de consumidores, quando a própria agência admite estar estudando a inclusão do exame.
– A inclusão do teste no rol é uma medida importante, uma vez que é muito utilizado pelos médicos para diagnosticar e acompanhar a doença, principalmente para que a sociedade comece a retomar a vida econômica com segurança – ressalta o especialista.
Aumento de reclamações na ANS
Na visão de Ligia Bahia, especialista em saúde pública e professora da UFRJ, a ANS se notabilizou durante a pandemia pela omissão e posicionamentos contrários aos usuários de planos de saúde:
– A agência não estimulou a redução de mensalidades em um momento de queda no consumo de procedimentos médicos, foi contra a fila única de leitos e agora chega ao cúmulo de atuar contra a obrigatoriedade de um exame cujo preço é baixo. É certo que os exames sorológicos tem baixa acurácia, mas não se posicionou favorável a testagem massiva. Como órgão público demonstrou desinteresse pela saúde dos brasileiros e com essa última cartada assume claramente a defesa parcial das empresas deixando de cumprir sua missão de órgão regulador.
A advogada Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), também considera absurda a postura da ANS
– A ANS está colocando empecilhos à cobertura de testes que auxiliam diagnósticos para a Covid no meio da pandemia. Insumos essenciais não apenas para o diagnóstico mais adequado, como para o monitoramento do avanço da pandemia no mercado. O acesso a testes são o segundo problema mais reclamado pelos consumidores, segundo dados da própria agência. E a ANS ao invés de tomar providências para reduzir esse problemas, está aumentando as dificuldades dos consumidores.
As reclamações relacionadas a testes para detecção da Covid-19 e tratamentos da doença mais do que dobraram na primeira semana de julho.
Segundo os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre queixas relacionadas à pandemia, foram 564 registros, entre os dias 29 de junho e 5 de julho, contra 226, de 22 a 28 de junho.
Fonte: O Globo (14/07/2020)
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