quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Fundos de Pensão: Sobre a nova moda das patrocinadoras, as transferências de gerenciamento de planos de benefícios de EFPC e os prejuízos aos participantes



No âmbito dos fundos de pensão, as empresas que patrocinam planos de benefícios para seus empregados não raramente optam por trocar a entidade administradora do plano. 

Este artigo pretende evidenciar que, nesses processos, os participantes podem sofrer perdas de direitos.

1 - A condição de participante de fundo de pensão

Para o melhor entendimento da questão, vale lembrar as diferenças entre a previdência privada aberta e a fechada.

A Previdência Aberta é gerida por Entidades Abertas de Previdência Complementar (EAPC), geralmente ligadas bancos e seguradoras, e é acessível a quaisquer pessoas que adquirem o produto oferecido e se tornam clientes da EAPC, em uma relação regida pelo Código de Direitos do Consumidor.

A Previdência Fechada é gerida por Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) sem fins lucrativos, geralmente chamadas de fundos de pensão, e é oferecida por empresas [1] que patrocinam o plano de benefícios para os seus empregados que, ao aderirem a ele, se tornam participantes da EFPC.

O participante [2] do fundo de pensão tem prerrogativas que faltam ao cliente da previdência aberta, com destaque para a participação, por meio de representantes:

  • Nas decisões administrativas sobre os de investimento dos recursos garantidores do plano de benefícios e na definição das hipóteses e premissas atuariais.
  • Nas deliberações acerca das alterações do regulamento, que é um "contrato de adesão" assinado pelo participante no ato de inscrição ao plano de benefício e que tem a peculiaridade de poder ser mudado pelos órgãos de governança do fundo de pensão, não necessitando da concordância do participante, com exceção do caso dele já ser elegível à concessão do benefício (ou já o esteja recebendo), como disposto na Lei Complementar nº 109 de 29/05/2001 (LC 109/2001), a saber:

"Art. 17. As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado de cada participante.

Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria."

Ressalvada a vedação de diminuir o valor do "direito acumulado" (que — grosso modo — corresponde à importância monetária da reserva constituída em nome do participante), as demais disposições contratuais podem ser objeto de alteração do regulamento. Em particular, as regras da concessão dos benefícios e das contribuições dos patrocinadores.

É evidente que os participantes dos fundos de pensão, além dos direitos previdenciários (aqueles relativos aos benefícios e às contribuições, dispostos no regulamento), têm também direitos "políticos", que dizem respeito às decisões sobre a gestão dos planos administrados pela EFPC e às regras de governança da entidade, dispostas no estatuto dela.

2 - A transferência de gerenciamento do plano de benefícios

Na previdência complementar fechada, entre outras operações, são permitidas "transferências de gerenciamento", previstas no artigo 33, IV da LC 109/2001 e regulamentadas na Resolução nº 51/2022 do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), que as define como:

"(...) operação que consiste na transferência de gestão de um plano de benefícios de uma entidade para outra, mantidos os mesmos patrocinadores e abrangendo a totalidade dos seus participantes e assistidos e a integralidade de seus ativos e passivos, incluindo os direitos e obrigações previstos no regulamento do plano de benefícios."

Essas transferências podem ter efeitos positivos para o sistema, pois incentivam a eficiência administrativa do fundo de pensão, interessado a não ser substituído por patrocinadores insatisfeitos, a quem cabe essa iniciativa, desde que a expliquem por meio de uma exposição de motivos, entre os quais o artigo 3º da Resolução CNPC nº 51 sugere a economicidade e a governança (ou seja, ao conjunto de regras, processos, instâncias e costumes, que regulam a maneira como o fundo de pensão é dirigido, administrado e controlado) da EFPC.

E quanto ao impacto dessa transferência sobre os participantes?

À primeira vista, essa transferência preserva os direitos deles, pois não altera o regulamento do plano de benefícios. Entretanto, essa manutenção pode ser mais fictícia do que real, pois não garante os "direitos políticos" que os participantes têm na entidade de origem. De fato, a norma do CNPC é omissa no tocante à garantia dos direitos relativos à governança, matéria sobre a qual a LC 109 dispõe exigências mínimas [3] e é regrado mais detalhadamente no estatuto do fundo de pensão.

A eventual perda de poder de decisão dos participantes complica também a manutenção dos direitos previdenciários. Na EFPC de origem, a alteração unilateral do contrato previdenciário por parte dos patrocinadores pode ser difícil, incentivando a negociação com os participantes, mas nada garante que isso se reproduza na EFPC de destino, onde o regulamento do plano, mesmo preservado na data da transferência, pode ser facilmente mudado em um segundo momento de acordo com os interesses patronais. Quanto à governança dos fundos de pensão, eventuais avanços com relação à LC 109 variam de Entidade para Entidade. Entre eles, se destacam:

a) A eleição dos representantes dos participantes nos órgãos de governança do fundo de pensão, que não é garantida pela LC 109, cujo artigo 35 dispõe apenas "a representação dos participantes e assistidos nos conselhos deliberativo e fiscal, assegurado a eles no mínimo um terço das vagas". Em particular, há EFPC onde os representantes dos participantes são escolhidos pela empresa patrocinadora.

b) A atribuição de mais de 1/3 das vagas dos conselhos deliberativo e fiscal do fundo de pensão aos representantes dos participantes (em geral, se houver avanços, os participantes conseguem a metade dos assentos).

c) O direito de os participantes elegerem um ou mais membros da diretoria executiva, mesmo que isso não seja obrigatório por lei.

d) A exigência de maioria qualificada do órgão de governança na deliberação sobre matérias de grande relevância.

e) A vedação do voto de qualidade do presidente do conselho deliberativo para o desempate na deliberação sobre alterações de Estatuto do fundo de pensão e de regulamento dos planos administrados.

f) A existência de uma instância deliberativa por plano de benefícios, com a competência de decidir sobre os investimentos e as alterações de regulamento do plano, em EFPC que administram mais de um plano de benefícios, bem como de composição paritária entre o segmento dos participantes e assistidos e o segmento dos patrocinadores e.

Contudo, sendo que essas melhorias não estão dispostas no regulamento do plano de benefícios, mas em outros normativos da entidade, podem ser perdidas na transferência de gerenciamento do plano de benefícios.

Conclusão

Hoje em dia, a operação de transferência de gerenciamento pode ocasionar perdas de direitos dos participantes. Não assegura as conquistas de governança obtidas pelos participantes na Entidade de origem e, ainda, facilita futuras perdas de direitos previdenciários na Entidade de destino.

O órgão de supervisão e fiscalização do sistema (a Previc), até hoje, não tem ajudado a manutenção dos direitos "políticos" dos participantes das EFPC nas transferências de gerenciamento de plano de benefícios. Na Previc vem prevalecendo a defesa de uma gestão "profissional" dos fundos de pensão e não do equilíbrio na representação dos patrocinadores e dos participantes.

É desejável que a Previc evolua no tratamento das transferências de gerenciamento para que elas não continuem comportando a retirada de direitos dos participantes. Mais do que isso, espera-se que a resolução que regulamenta a operação seja aprimorada no âmbito do Conselho Nacional de Previdência Complementar.

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[1] Além das empresas, também entidades de natureza associativa (chamadas de instituidores) podem oferecer um plano de previdência privada fechada a seus associados.

[2] Neste texto, o termo participante é utilizado para se referir tanto a quem se inscreveu ao plano de benefícios de previdência complementar e se encontra ainda na fase contributiva, quanto ao assistido (que é o participante ou seu dependente já em gozo de benefício).

[3] A Lei Complementar nº 108, de 29/05/2001, que complementa a LC 109 para os fundos de pensão patrocinados por entes públicos e empresas estatais, garante aos participantes mais representatividade nos conselhos deliberativos e fiscais, assegurando-lhes a metade dos assentos.

Fonte: ConJur e Luciano Fazio (24/12/2022)

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