Laboratório americano conseguiu reação controlada produzindo mais energia do que consumiu; conquista também servirá para testes de armas nucleares.
O Departamento de Energia dos EUA confirmou nesta terça-feira que um experimento no país conseguiu pela primeira vez realizar uma fusão nuclear em que a energia produzida superou a energia consumida pela reação. O resultado é considerado um marco na busca de uma forma de geração de energia nuclear mais limpa, que não gera lixo radioativo.
O anúncio havia sido antecipado na segunda-feira pelo jornal Financial Times, que teve acesso a informações vazadas sobre o experimento. O projeto, que atingiu na segunda-feira o chamado limiar de ignição, foi realizado no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, um dos centros de pesquisa mais importantes do país atuando na manutenção e segurança de armas nucleares.
Usando um aparato de lasers, o experimento na National Ignition Facility (NIF), uma instalação do laboratório construída especificamente para esse fim, conseguiu criar uma cápsula de plasma (estado da matéria extremamente energético) na qual ocorreram fusões de átomos de hidrogênio, formando o elemento hélio. Isso já havia sido feito antes, em outros experimentos, mas pela primeira vez ocorreu com "ganho líquido" de energia.
— Esta é uma conquista histórica — afirmou em entrevista coletiva em Washington a secretária de Energia dos EUA, Jennifer Granholm. — Esse trabalho nos ajudará a resolver os problemas mais complexos e urgentes da Humanidade, como fornecer energia limpa para combater a mudança climática e manter uma dissuasão nuclear sem fazer testes nucleares.
Em outras palavras, além de geração de energia sem CO2 e sem lixo nuclear, a fusão nuclear controlada pode ajudar a testar armas atômicas sem a realização de explosões experimentais. Os EUA já não realizam mais testes nucleares desde 1992, e o arsenal do país é hoje mantido com o emprego de operações complexas, que agora podem ser facilitadas com a capacidade de ignição controlada como a da NIF.
A ignição por lasers é uma das duas abordagens que estão sendo perseguidas hoje na pesquisa com o objetivo de criar usinas movidas a fusão nuclear. A outra tecnologia usa campos magnéticos fortes.
A abordagem magnética vem sendo usada em projetos promissores como o Princeton Plasma Physics Laboratory, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e o Joint European Torus, em Oxford (Inglaterra). Esses experimentos estão mais avançados em suas tentativas de "sustentar" a reação de fusão, mas não em "iniciar", como fez agora o Lawrence Livermore.
— O NIF se concentrou em dar esse primeiro passo porque, se nós não conseguíssemos a ignição de cápsulas de plasma em laboratório, não há como trilhar o caminho para uma usina de energia a fusão por confinamento — explicou Kim Budil, diretora do laboratório.
Ganho líquido
No comunicado desta terça, o Lawrence Livermore não divulgou qual foi exatamente o custo do projeto. A construção do NIF, concluída em 2022, foi estimada em US$ 3,5 bilhões, mas o investimento para a pesquisa ainda incluiu mais duas décadas de mão de obra altamente qualificada de cientistas e engenheiros, além de insumos para conduzir o experimento e reprojetá-lo várias vezes.
Os cientistas explicaram na entrevista coletiva que o experimento bem-sucedido usou 2,05 megajoules de energia inicialmente, e coletou após a reação 3,15 megajoules, um ganho líquido de 53%.
Esse tipo de reação não gera lixo radioativo como subproduto, tal qual a fusão nuclear, a técnica usada hoje em usinas, porque o principal subproduto da fusão nuclear é gás hélio, como o usado em balões de festa, que não é tóxico.
Laser poderoso
Segundo Mark Hermann, diretor do NIF, o segredo do sucesso do experimento no Lawrence Livermore é a expertise que o centro de pesquisa tem em lidar com lasers. Tentando explicar o experimento para leigos na entrevista coletiva, o cientista detalhou como a operação foi feita.
— Nós usamos neste experimento o laser mais energético do mundo, que por sua vez produz Raios X usados para implodir uma pequena cápsula e cria um plasma muito quente e pressurizado. Esse plasma tende a liberar energia instantaneamente e começar a resfriar, mas dentro dele também ocorrem mais reações de fusão, depositando mais calor nesse plasma, em vez de deixá-lo esfriar — disse.
A metáfora que Hermann usou para explicar por que o experimento era tão difícil é que os cientistas estavam travando uma "corrida do quente contra o frio" para manter o plasma suficientemente aquecido de modo a sustentar a reação inicial.
— Se o ciclo vai deixando o plasma mais quente, a taxa de reação aumenta, promovendo mais fusões, que então criam ainda mais calor. O desafio do experimento, então, é o de ganhar essa corrida. Nós, cientistas, perdemos essa corrida por muitas décadas, mas na segunda-feira tudo mudou — anunciou o pesquisador.
Fonte: O Globo (13/12/2022)
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