sábado, 4 de abril de 2020

TIC: Privacidade de usuários divide Anatel e MCTIC em uso de dados móveis no combate à Covid-19



Anunciada pelas operadoras de telecomunicações, a ação conjunta para disponibilizar dados de geolocalização dos telefones celulares divide Anatel e o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, num reflexo local das preocupações globais com o uso crescente da tecnologia como ferramenta de monitoramento, ainda que pelo forte motivo de combater a disseminação da pandemia de coronavírus. 

Como expresso na troca de documentos governamentais sobre a iniciativa, a agência pondera que “ferramentas iniciadas com um determinado propósito podem rapidamente evoluir para formas de rastreamento, em última instância, pessoa a pessoa com a produção de elementos que venham a ser inclusive objeto de debate no Judiciário. Afinal, não custa lembrar que os dados de localização dos indivíduos, ordinariamente no âmbito das investigações criminais, só podem ser compartilhados por força de decisão ou autorização judicial, o que demonstra a sensibilidade desta discussão”. 

No MCTIC, essa visão é vista como exagero. Em especial porque a preocupação com a privacidade levou a pasta a buscar um parecer jurídico, cuja conclusão foi de que não há uso de dados pessoais quando as informações são agregadas e anonimizadas. E que o uso da informação é amparado tanto pela Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/18) – que ainda não está em vigor – como pela recentíssima Lei 13.979/20, que trata das ações contra a pandemia. 

De sua parte, as operadoras prometem que não há violação de privacidade. “Não se trata de dado pessoal, muito menos de monitoramento. Estamos falando de dados aglomerados, estatísticos e anonimizados. Quando um celular é ligado ele se conecta a uma antena próxima. Quando há deslocamento, ele vai mudando de antena. Isso fica registrado na Estação Radio Base e esse é um dado estatístico, não pessoal, capaz de mostrar quantas linhas ficaram conectadas naquela ERB no dia, na hora, no minuto. O que está sendo disponibilizado para o governo é o dado estatístico aglomerado que fica registrado na ERB”, explica o presidente do sindicato nacional das operadoras, Sinditelebrasil, Marcos Ferrari. 

Todo cuidado com a privacidade faz sentido. Por coincidência, o anúncio da iniciativa das operadoras foi feito no mesmo dia em de uma declaração conjunta de 103 entidades internacionais, como Humans Right Watch, Anistia Internacional, Fundação WWW, Access Now e a brasileira Intervozes, alertar que  “o uso de tecnologias digitais no enfrentamento da pandemia precisa respeitar os direitos humanos”. “Qualquer uso de tecnologias de monitoramento digital em resposta à Covid-19, inclusive sistemas de big data e inteligência artificial, deve endereçar o risco de essas ferramentas facilitarem a discriminação e outros abusos de direitos”, aponta o documento. 

“Esse é um debate sério. É evidente que os dados coletivos são importantes para se tomar decisões nas politicas públicas, mas seria fundamental olhar cada projeto em detalhe e pedir que os agentes decisórios assumam um compromisso público de finalidade, de adequação. A LGPD fala em finalidade específica, que está um pouco incorporada na Lei 13.979/20, quando fala que o poder de requerer dado é específico para contenção da propagação da Covid-19”, ressalta o coordenador de pesquisas do Data Privacy Brasil, Rafael Zanatta. 

Para o advogado e professor Danilo Doneda, a LGPD em vigor daria até mais segurança ao uso desses dados, por mencionar o uso da informação para proteção da vida. “Acho que é preciso usar todas as armas possíveis, mas também precisa manter cuidados porque vai ter muita coisa mal feita. Não tem como não fazer essa utilização, mas fico temeroso que o governo esteja jogando para  a torcida, vai usar o dado que nem sabe muito bem para que. E vale frisar que dado de localização não é anônimo. Saber onde alguém está às 3h da manhã facilita identificação. Portanto, é claro que tem risco. O que reforça a necessidade de termos a maior transparência possível, especialmente em se tratando de saúde.”

Como explicam as operadoras, os dados que serão colocados à disposição do governo vão mostrar aglomerações e deslocamentos, o que convenciono-se chamar de “mapas de calor”. “O governo vai ter disponível uma grande ferramenta, de maneira gratuita, e a partir disso pode gerar coisas que quiser a partir de sua própria governança, seja via universidade, startup, empresa de IA. Mas é uma solução única e exclusivamente para o coronavirus, não é algo que vai perdurar. Quando encerrar a calamidade, acaba essa disponibilização das informações”, afirma o presidente do Sinditelebrasil. 

Fonte:  Convergência Digital (03/04/2020)

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