Problemas relacionados a planos de saúde seguiram na ponta do ranking de reclamações e atendimentos do ano passado, com 27,9% do total, diz Idec
Receber o diagnóstico de uma doença grave é assustador e quando junto vem a negativa do plano de saúde para o tratamento, o medo é ainda maior. A professora Camila Santiago Tanes, 41, moradora de Assis (SP), que o diga.
No início de 2021, ela foi diagnosticada com câncer de intestino. Sem plano de saúde, custeou todo o tratamento particular. Considerada curada pelos médicos, Camila decidiu que era hora de ter um convênio médico.
“Fiz o plano e no documento que temos que preencher deixei muito claro que eu tinha tido câncer. Não recusaram nem disseram que haveria uma carência maior por este motivo”, conta a professora.
Para sua surpresa, 8 meses após ter assinado o contrato com a operadora de saúde, a doença voltou. “Foi assustador”, lembra. Ela buscou o plano de saúde para iniciar o tratamento, mas foi recusado com a alegação de que se tratava de doença pré-existente. Começou, então, a via crucis da usuária que só conseguiu a liberação após recorrer à Justiça.
No processo judicial, ela argumentou que a declaração de saúde foi preenchida com todas as informações sobre a doença e que a operadora aceitou tê-la como cliente sem nenhuma restrição. A justificativa foi aceita pelo Judiciário, que garantiu todo o tratamento pelo plano de saúde.
Camila, que já fez 11 sessões de quimioterapia, agora aguarda para fazer a cirurgia e se diz confiante para a vida voltar ao normal. “O diagnóstico é assustador e a negativa do convênio revoltante, mas sei que vai dar tudo certo”, diz.
Topo do ranking
A situação vivida por Camila tem sido cada vez mais frequente. De acordo com o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), os problemas relacionados a planos de saúde seguiram na ponta do ranking de reclamações e atendimentos do ano passado, com 27,9% do total.
As principais queixas contra as operadoras de planos de saúde estão relacionadas às coberturas, com gerenciamento das ações de saúde por parte da operadora (autorizações prévias, franquia, co-participação e outros) ocupando o topo do ranking da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). No ano passado foram 73.844 reclamações neste subtema contra 57.161 do ano anterior. Neste ano, a Agência já registrou 32.592 queixas.
“Percebemos um aumento na procura de clientes com esse tipo de problema [negativa de tratamento pelos planos de saúde]. Não sei se estão negando mais ou o tratamento que ficou represado na pandemia levou a este aumento. O fato é que percebemos nesta primeira parte do ano volume grande de negativa de tratamento por parte de várias operadoras”, comenta o advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva.
Recorrendo à Justiça
A negativa de procedimentos, dizem especialistas, tem sido uma das principais reclamações dos consumidores e a saída, muitas vezes, é buscar o Judiciário. Este foi o caso de um cliente do advogado Columbano Feijó, sócio do escritório Falcon, Gail, Feijó e Sluiuzas Advogado.
“Ele está com uma doença gravíssima no pulmão. Foi internado na rede própria do plano de saúde e o médico disse que ele precisava de uma cirurgia de emergência, mas no laudo não colocou que era urgência e o convênio, se valendo disso, entendeu que era uma cirurgia eletiva e, portanto, teria 21 dias para liberar o tratamento”, conta o advogado.
Segundo Feijó, preocupado, o paciente voltou a falar com o médico e recebeu a justificativa de que a operadora o orientou a não colocar ‘urgência’ no laudo.
“Diante disso, contratamos um médico externo que foi ao hospital, consultou o meu cliente, verificou os exames e atestou que era se tratava de uma cirurgia de emergência”, explica Feijó.
Com este laudo em mãos, o advogado recorreu à Justiça e conseguiu uma liminar para que o seu cliente fizesse o procedimento. “Ele ainda está internado e vai passar por outros tratamentos”, diz Feijó.
A chamada judicialização da saúde suplementar tem ganhado destaque, segundo pesquisa realizada pela Escola de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) com apoio da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), especialmente em três temas:
- negativa de cobertura assistencial
- reajuste de mensalidade
- manutenção de contratos,
“Juntos, esses três temas representam 90% dos litígios envolvendo operadoras de planos de saúde, sendo que a negativa de cobertura responde por mais da metade do total de decisões na primeira e na segunda instância paulista”, explica o professor Daniel Wang, coordenador da pesquisa.
Neste quesito, os usuários levam vantagem na Justiça paulista. De acordo com o levantamento, os clientes ganham 6 a cada 10 ações que movem contra as operadoras de saúde questionando negativas dos planos.
Rescisão contratual
Outra prática que está preocupando cliente de plano de saúde é o cancelamento do plano de saúde. Situação que tem acontecido principalmente nos planos empresariais, que não são regidos pela ANS.
Neste caso, valeria o que está previsto no contrato entre as duas empresas, que normalmente prevê a rescisão contratual com aviso de 60 dias de antecedência.
Feijó explica que a lei dos planos de saúde elenca duas possibilidades para rescisão contratual:
- fraude
- inadimplência superior a 60 dias, desde que notificado 54 dias
“Tem casos de usuários que não recebem o boleto e não conseguem tirar a fatura no sistema. Dessa forma, atrasa o pagamento, e a operadora diz que está inadimplente e cancela o plano de saúde. Se ele não abre chamado, não tem alguma prova que tentou pegar o boleto, o plano cancela de maneira legítima usando de má-fé”, diz Feijó.
De acordo com ele, a lei diz que durante tratamento médico o plano não pode ser cancelado e, por analogia, os tribunais têm aplicado esse artigo, porque a vida é o bem maior. “Está em tratamento não pode cancelar. É ilegal”, enfatiza Feijó.
Renata Reis, assessora técnica do Procon-SP, concordo que essa é uma prática abusiva e o usuário que passar por isso deve denunciar na ANS e nos órgãos de defesa do consumidor. “Não há parâmetro legal que dê razão para a empresa suspender tratamento”, diz.
De acordo com ela, mesmo se tratando de plano empresarial não há justificativa por parte da operadora para cancelar um plano durante o tratamento.
Ela lembra que o uso não previsto nas contas ou na planilha do plano é compensado com o reajuste de sinistralidade, que é um aumento próprio para esse tipo de situação e para compor o valor. “Decisões judiciais e a própria legislação garantem para o consumidor continuidade do procedimento”, afirma Renata.
A representante dos consumidores destaca ainda que na situação do beneficiário que se enquadra na situação de alto custo, a empresa invocar que não tem mais interesse comercial e encerrar o contrato é ilegal.
“Este é um direito contratual, mas o direito à saúde não é um contrato comum. Não pode ser visto de forma generalista. Tem que garantir o tratamento. Nos casos em que poderia ocorrer rescisão, deveria tentar dar o direito ao usuário de fazer portabilidade no mercado.”
O advogado Robba diz que essa não foi a prática só de uma operadora e que está sendo difundida no mercado. “Tem casos em que notificaram consumidores cancelando contrato de pessoas em tratamento e estamos entrando com ações judiciais para proibir essa prática abusiva”, diz.
Negativa a novos clientes
Quem está tentando fazer um plano de saúde também tem encontrado dificuldades. Consumidores que tiveram diagnóstico de doenças graves, especialmente o câncer, não estariam sendo aceitos em novos planos de saúde.
Em um desses casos, a contratação do plano empresarial foi negada para um dos usuários que já tinha tido diagnóstico de câncer. “O plano vai tentar encobrir este tipo de justificativa, por isso, guarde documentos que comprovem que houve a recusa do cliente”, diz Renata.
Especialistas alertam que negar novos clientes é uma prática ilegal. “Existe um princípio que está na lei que é a não placa de seleção de consumo. Você não pode selecionar o consumidor para quem você quer vender. Se comprovar que existe a oferta de produto no mercado e consumidor está sendo impedido de ingressar porque tem problema de saúde, ele pode ser indenizado porque é uma prática discriminatória”, diz Feijó ao lembrar que todo o contrato tem o ônus e bônus.
O que diz o setor?
Marcos Novais, superintendente executivo da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz que os casos de recusa de tratamento são exceções e que cirurgias de emergência não precisa de autorização. “Tem que fazer e a negativa de urgência e emergência dá multa de até R$ 250 mil”, explica.
No entanto, comenta ele, se o usuário quer fazer o procedimento com médico não credenciado, ou não é de urgência e há uma tentativa de tornar urgente só para aprovar rápido, pode ocorrer ocorrer a negativa. Ele garante que isso não é regra.
Ele afirma ainda que mesmo nos contratos coletivos têm regras diferenciadas e, do ponto de vista de rescisão de contrato selecionado, ele garante que não é uma conduta que as empresas fazem.
“Quando se tem um contrato muito grande e tem que ser viável. Até 29 vidas, a operadora não tem uma visão do contrato. Todos até 29 vidas estão agrupados. Adimplente, não tenha cometido nenhum tipo de fraude deveria seguir com a operadora ou fazer portabilidade para poder continuar tratamento em outra operadora”, explica Novais.
Por fim, ele afirma que é totalmente irregular negar o produto a novos clientes por motivo de saúde. “A adesão ao plano de saúde independe de qualquer condição do usuário”, diz.
E lembra que ao aderir a um convênio o consumidor tem que preencher um questionário de saúde e, caso tenha doença ou lesão pré-existente, pode ter carência de cobertura por 2 anos.
“A ferramenta correta carência de 2 anos. Fora isso nada mais é regular”, enfatiza Novais, que aconselha usuários nesta situação a reclamar na ANS, que vai avaliar a conduta e pode ser motivo de autuação. “Recomendaria ainda ao usuário que ele faça contato na ouvidoria e call center para saber o que está acontecendo para corrigir a conduta.”
Novais reconhece que como tem ocorrido muitas fraudes, especialmente em reembolso, as operadoras têm colocado mais barreiras para a liberação de procedimentos.
Dados do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) mostram que a estimativa é de que o mercado tenha impacto de R$ 28 bilhões com fraudes e desperdícios anualmente.
“Acaba prejudicando muita gente que não é fraudador. Por conta de poucos, o grupo todo acaba penalizado. Tentar aprimorar, mas do lado de cá, como dinheiro não é nosso, temos que prezar pelo bom uso”, comenta Novais.
Já a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) disse, por meio da sua assessoria de imprensa, “que todas as suas associadas oferecem canais de atendimento e ouvidoria para esclarecimentos, dúvidas e tratativas diversas. Todas as demandas recebidas são utilizadas para aperfeiçoamento de processos e a grande maioria dos casos são resolvidos sem que seja necessário acionar instâncias externas”.
O que diz a ANS?
Por meio da sua assessoria de imprensa, a ANS informa que é vedada a prática de seleção de riscos pelas operadoras de planos de saúde na contratação ou na exclusão de beneficiários em qualquer modalidade de plano de saúde. “Ou seja, nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano de saúde em função da sua condição de saúde ou idade e também não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos. Nos planos coletivos, empresarial ou por adesão, a vedação se aplica tanto à totalidade do grupo quanto a um ou alguns de seus membros”, diz a nota.
Vale observar, conforme a Agência, que nos planos coletivos, pode haver duas situações para cancelamento do plano: a exclusão pontual de um beneficiário ou a rescisão do contrato entre as pessoas jurídicas (a empresa contratante e a operadora) a pedido de uma ou outra parte.
“De forma que, quando o cancelamento do plano solicitado não é solicitado pelo próprio consumidor, a operadora pode excluir o beneficiário somente em caso de fraude ou de perda de vínculo com a pessoa jurídica contratante, se estiver previsto em contrato. Vale ressaltar que, à exceção dessas duas hipóteses, a responsabilidade da exclusão do beneficiário de plano de saúde é sempre da pessoa jurídica contratante do plano.”
A ANS destaca ainda que “no caso das pessoas jurídicas, após o prazo de vigência do contrato coletivo, a rescisão contratual imotivada pode ocorrer, devendo ser sempre precedida de notificação, observando-se as disposições contratuais, que estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor. Somente poderá ser exigida a notificação prévia com 60 dias de antecedência, por exemplo, se estiver disposto no contrato. Ressaltamos que esse prazo é para a pessoa jurídica contratante ou para a operadora que solicita a rescisão do contrato, não se aplicando aos beneficiários que desejem sair do plano”.
As condições para a rescisão do contrato do plano de saúde devem estar previstas nos contratos coletivos e são válidas para o contrato como um todo, ou seja, para o contrato firmado com a pessoa jurídica contratante, não com o beneficiário a ela individualmente vinculado.
Pode haver previsão contratual para a multa, nos casos de rescisão imotivada, a qual poderá ser cobrada da parte que solicitar a rescisão (pessoa jurídica contratante ou operadora) se a rescisão ocorrer antes de completada a vigência mínima do contrato.
A rescisão motivada só poderá ocorrer se constar em contrato as causas que autorizam a rescisão motivada do contrato antes de completar o período de 12 meses.
Importante destacar que, se houver rescisão do contrato de plano coletivo (por qualquer motivo) e existir algum beneficiário ou dependente em internação, a operadora de origem deverá arcar com todo o atendimento até a alta hospitalar. Da mesma maneira os procedimentos autorizados na vigência do contrato deverão ser cobertos pela operadora, uma vez que foram solicitadas quando o vínculo do beneficiário com o plano ainda estava ativo.
Já nos planos de saúde individuais, as operadoras somente poderão rescindir unilateralmente um contrato de plano de saúde individual ou familiar em casos de fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato. Para isso, devem notificar o consumidor até o quinquagésimo dia de inadimplência.
Até a rescisão, o beneficiário tem direito a todos os procedimentos contratados, não podendo ter nenhum atendimento negado ou mesmo ser constrangido por estar inadimplente com a mensalidade do plano. É importante ressaltar que é vedada a rescisão ou suspensão unilateral do contrato por iniciativa da operadora, qualquer que seja o motivo, durante a internação de titular ou de dependente, nos planos de saúde individual ou familiar. Até a alta hospitalar, a operadora deverá arcar com todo o atendimento.
“De todo modo, quando o beneficiário é excluído do seu plano de saúde ou tem o seu contrato rescindido, ele tem o direito de realizar a portabilidade de carências, ou seja, contratar um novo plano sem cumprir novos prazos de carências ou cobertura parcial temporária.”
A operadora que rescindir o contrato de beneficiários de planos coletivos, e até mesmo os individuais, em desacordo com a legislação da saúde suplementar pode ser multada em valores de até R$ 80 mil.
A Agência orienta os usuários que estiverem enfrentando problemas de atendimento para que procurem, inicialmente, sua operadora para que ela resolva o problema e, caso não tenha a questão resolvida, registre reclamação junto à ANS.
Fonte: InfoMoney (18/06/2023)
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