sábado, 26 de agosto de 2023
Educação Previdenciária: Independência financeira exige preparo para alinhar expectativas com a realidade
Poupar é a regra número um para quem quer desfrutar uma vida confortável ao se aposentar
Pesquisas recentes sobre previdência mostram uma disparidade grande entre as expectativas da população brasileira economicamente ativa e a realidade de quem se aposenta no país.
Um levantamento da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) em parceria com o Datafolha, publicado no início de junho, mostra que 51% dos entrevistados esperam que o dinheiro de sua aposentadoria venha do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
O dado é quatro pontos percentuais inferior em relação ao observado no ano anterior. Ou seja, menos brasileiros esperam depender do INSS em 2023. Mas um raio-X dos aposentados na atualidade mostra uma realidade muito diferente.
Ainda segundo a Anbima, 90% dos entrevistados aposentados dependem da previdência pública para o seu sustento, enquanto 4% ainda contam com a renda do seu trabalho e apenas 3% responderam que se mantêm com a previdência privada.
Outra pesquisa publicada pelo Fórum Econômico Mundial em parceria com a consultoria Mercer aponta que, entre aqueles com menos de 40 anos, 44% gostariam de parar de trabalhar com 60 anos ou menos. Mas 55% dos entrevistados disseram que não guardaram dinheiro suficiente ou não sabem se terão o necessário para manter o padrão de vida no momento da aposentadoria.
O educador financeiro Thiago Godoy, da Rico Investimentos, lembra ainda que, em média, as pessoas se aposentam com um quinto do salário que elas tinham quando estavam em idade produtiva, mas a maioria acredita que vai estar melhor na aposentadoria do que atualmente. "Há uma dissonância entre o desejo e a realidade. E de fato não há um conhecimento de que depender do INSS é muito arriscado", afirma.
O INSS é uma importante ferramenta de segurança para a aposentadoria, que não pode ser descartada, por isso é recomendado buscar formas de contribuição mesmo para quem não tem registro na carteira de trabalho. Danilo Carrillo, especialista em previdência privada e seguros da Warren Investimentos, lembra ainda que o INSS também assegura algumas proteções, como aposentadoria por invalidez, pensão por morte, proteção em caso de acidente, auxílio-doença, salário-maternidade, entre tantos outros benefícios.
Mas especialistas lembram que as pessoas não podem apostar suas fichas unicamente no INSS, que deve compor a aposentadoria, e não ser a única fonte de renda. Assim como qualquer estratégia de investimento, seja ela de curto ou de longo prazo, é interessante sempre diversificar as aplicações, para que seja possível mitigar os riscos e ampliar os resultados.
Mas falando especificamente do INSS, Godoy lembra que, matematicamente, é insustentável que a previdência pública siga com a configuração atual. É possível que, dentro de 10 anos, o país passe por uma nova reforma da previdência, endurecendo ainda mais as condições para se aposentar e valores a receber. Por isso, é importante que os cidadãos se preparem o quanto antes.
E os especialistas também lembram que é importante as pessoas terem em mente que, com o aumento na expectativa de vida e as mudanças na previdência, parar de trabalhar e se aposentar entre os 50 e 60 anos já não é mais uma realidade no Brasil.
Mas a independência financeira, sim, pode ser alcançada já nessa idade e a chave para isso é uma só: poupar o quanto antes. A partir daí, então, a pessoa deve estabelecer quais são seus objetivos para o futuro, traçar um planejamento, conhecer seu perfil de investidor e, assim, buscar uma assessoria especializada para saber onde alocar os seus recursos da melhor forma possível.
"O que garante a sua segurança na aposentadoria é você conseguir acumular o maior volume de recursos possível através da sua capacidade de poupança e, aí sim, escolher os instrumentos financeiros que ajudem esse bolo a crescer mais rápido", diz Luigi Wis, especialista em gestão de fortunas na Genial Investimentos.
"A melhor estratégia de aposentadoria é sempre começar o quanto antes, e tentar blindar esse patrimônio ao longo do tempo, sabendo que, esse recurso, a pessoa está guardando com a intenção de utilizar somente lá na frente. O ideal é ter essa mentalidade de longo prazo", completa Wis.
Mas como fazer isso? Marcio Bandeira, assessor de investimentos da Guide, recomenda que, em qualquer estágio da vida, as pessoas sempre deem um ou dois passos atrás no padrão de vida delas em relação ao que sua renda permitiria que elas tivessem.
"Isso é importante para sustentar o padrão de vida que a pessoa quer ter lá na frente", ressalta Bandeira. Comprar um carro mais simples, fazer menos viagens para fora do país e reduzir as refeições fora de casa são alguns exemplos dados pelo especialista que ajudam as famílias a poupar o dinheiro.
ORGANIZAR O FUTURO, SEM SE ESQUECER DO PRESENTE
Para quem consegue economizar, é hora de pensar no curto, médio e longo prazo. Utilizar todo o recurso poupado ao longo de um período em um único bem, como carro ou imóvel, por exemplo, não é uma boa estratégia.
Godoy, da Rico Investimentos, lembra que o Brasil tem uma cultura muito patrimonialista, que sustenta a ideia de que ter um imóvel é o primeiro passo para alcançar uma realização financeira.
"Mas um financiamento longo, que vai comprometer a renda da pessoa por 30 anos, por exemplo, não é recomendado. Ainda mais porque um imóvel tem baixa liquidez, ou seja, em um momento de emergência, a pessoa não poderá contar com esse recurso de forma rápida", diz Godoy.
Outro exemplo negativo é utilizar todo o recurso que a pessoa tem em um único título de previdência privada.
"Se o investidor acaba mudando de ideia no curto prazo, pode ter sido um péssimo negócio. Imagine a pessoa que começa a poupar agora, coloca tudo em um PGBL [Plano Gerador de Benefício Livre], que tem imposto de renda sobre todo o montante no caso de um resgate. Depois de dois anos, se ele precisar usar o recurso, vai ser um desastre", exemplifica Luigi Wis, da Genial Investimentos.
E aí entra um importante lição: a pessoa precisa, sim, se preocupar com o futuro, mas sem se esquecer das demandas, surpresas e possíveis mudanças de rota que se colocam no presente. É preciso também ter investimentos de curto prazo e, o mais importante, uma reserva de emergência, de fácil acesso.
"O importante é que você construa um portfólio de investimentos, começando o mais cedo possível e poupando o máximo possível. Mas que ele seja flexível também para te permitir essas possíveis mudanças de rota que você pode ter ao longo do tempo", recomenda Wis.
Planejadora financeira na Warren, Daiane Mohr acrescenta que, durante o planejamento financeiro, as pessoas têm que ter em mente que a vida não é feita apenas de despesas fixas, mas também de gastos extras, muitas vezes vistos como supérfluos. Ela aconselha a levar isso em conta na hora de planejar quanto poupar mensalmente.
"Eu não gosto de falar em gasto supérfluo. Porque também se a pessoa passa a vida toda apenas pagando boleto e guardando dinheiro, não sobra espaço para o lazer, para o entretenimento", diz.
QUANTO MAIS CEDO POUPAR, MENOR O APORTE MENSAL
A Analista de Alocação e Fundos da XP, Clara Sodré, fez simulações exclusivas para a Folha mostrando quanto os brasileiros de cada faixa etária precisam poupar para ter uma renda extra de R$ 3.000,00 a partir dos 70 anos de idade.
As simulações levam em conta uma taxa de juros mais conservadora, de 2% ao ano, bem distante das taxas observadas em títulos privados e públicos atualmente, com a Selic no patamar que está.
Para a pessoa viver apenas dos rendimentos de sua renda e não mexer em seu patrimônio, se ela tem 20 anos, precisa guardar mensalmente R$1.773,48 ao longo da vida. A partir dos 30 anos, esse valor sobe para R$ 2.483,36.
Dos 40 aos 50 anos, passa para R$ 3.697,49. A partir dos 50 anos, a pessoa precisa poupar R$ 6.173,51 mensalmente. Já com 60 anos, esse valor mais que dobra e o indivíduo passa a ter que poupar mensalmente R$13.698,98, por 10 anos, se quiser ter R$ 3 mil de renda extra na aposentadoria.
Sodré fez outras simulações, caso a pessoa opte por mexer em seu patrimônio — o que diminui os valores mensais que a pessoa precisa guardar —, e caso queira deixar uma quantia de herança.
Claro que há diversas variáveis na vida da pessoa, como o momento em que ela consegue ter conforto para poupar mais, rentabilidade de suas aplicações etc.. Mas essa simulação é interessante, porque deixa visível como é preciso aumentar os esforços de poupança conforme o tempo passa. E esses esforços crescem de forma inversa ao vigor do indivíduo para o trabalho.
Em se tratando de independência financeira, portanto, o tempo joga sempre a favor. Mas sempre dá tempo de se preparar, tendo boa vontade e organização.
Fonte: Folha de SP (23/08/2023)
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