A desmoralização do direito constitucional à retirada de patrocínio. Alterações no regime de previdência privada têm criado incertezas que afastam investimentos
A análise do plano legislativo constitucional e infraconstitucional brasileiro evidencia a facultatividade do regime de previdência privada complementar, autorizando a retirada de patrocínio por iniciativa única e exclusiva da patrocinadora.
De fato, desde 1977, quando a previdência privada foi regulamentada no Brasil, previu-se a possibilidade de as patrocinadoras assumirem encargos adicionais, mediante doação, subvenção ou realização do capital necessário para aumento do capital líquido. Alguns anos depois, a Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, estabeleceu a facultatividade do plano de previdência, “baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.”
Posteriormente, por meio da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, definiu-se que “o órgão regulador e fiscalizador poderá autorizar a extinção de plano de benefícios ou a retirada de patrocínio, ficando os patrocinadores e instituidores obrigados ao cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos com a entidade relativamente aos direitos dos participantes, assistidos e obrigações legais, até a data da retirada ou extinção do plano.”
Nesse contexto, nos últimos cinco anos foram apresentados 1.497 pedidos de retirada de patrocínio perante a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), sendo 988 analisados e deferidos pela referida autarquia.
Contudo, mais recentemente, as patrocinadoras e Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) têm enfrentado enormes dificuldades para que os seus pedidos de retirada de patrocínio sejam apreciados pela Previc que, em decorrência de um novo cenário político no país, passou a sofrer pressões de diversas entidades, como as sindicais, adotando diálogo paralelo com determinados stakeholders para, em total arrepio à lei, deixar de analisar pedidos de retirada de patrocínio.
E essa conduta tem se refletido de forma evidente em dois pedidos de retirada de patrocínio, cujos planos contam com expressivo número de participantes e assistidos, e os patrocinadores vêm sofrendo graves ônus financeiros em virtude desse novo posicionamento da autarquia.
O primeiro deles, apresentado em 2021, sequer teve a instrução concluída e vem sofrendo interferências externas descabidas para tentar impedir que a Previc exerça o seu dever fiscalizatório. O segundo, apresentado há mais de quatro meses, também vem sofrendo os nefastos efeitos da pressão política a respeito do pedido de retirada de patrocínio, sendo objeto de denúncias externas sem fundamento, mas que são colocadas em posição de destaque pela Previc.
Para além dessas interferências ilegais que, por si só, vêm se mostrando suficientes para obrigar a autarquia a dar andamento aos pedidos de retirada de patrocínio, estão sendo criados normativos para tentar reverter um cenário de constitucionalidade existente há mais de duas décadas.
Nesse sentido, foi editado o Decreto 11.543, em 1º de junho de 2023, que autorizou, nos termos do seu artigo 5º, a criação de até três comissões temáticas pelo grupo de trabalho formado nos termos do decreto, sendo que o escopo da já formada Subcomissão 2 é debater a retirada de patrocínio.
Conforme vem sendo noticiado, a proposta apresentada pela Previc no âmbito da Subcomissão 2 é tentar eliminar o direito constitucional assegurado às patrocinadoras, visto que a proposta tem como objeto vedar a retirada unilateral de patrocínio, apesar de o Superintendente da Previc, Ricardo Pena, ter recentemente declarado que a “gestão da autarquia prima pelo legado constitucional em todos os seus aspectos.”
É nesse ponto, contudo, que as decisões do órgão devem se pautar. A segurança jurídica é elemento essencial para o fomento de investimento no país. A estabilidade das regras e do Judiciário são pilares fundamentais para que haja confiança no país. Portanto, a mudança de regras, de forma intempestiva ou para atender a determinados interesses, cria um ambiente de incerteza que é prejudicial para o desenvolvimento da atividade econômica no Brasil.
Não se questiona que o diálogo e o aprimoramento das normas são relevantes. É louvável a criação de grupos de estudo e de trabalho para revisão e debates de normativos, os quais, contudo, devem sempre assegurar a oitiva isonômica dos representantes de todas as categorias envolvidas. Como exemplo disso, nota-se a própria edição da Resolução Previc 23/2023, que representa um avanço em matéria de previdência complementar.
No entanto, o cenário que se nota hoje é de total incerteza a respeito do cumprimento de leis por seus operadores e a adoção de um diálogo parcial e enviesado. A retirada de patrocínio está prevista em lei e é uma prerrogativa assegurada às empresas que, também facultativamente, decidiram por, em determinado período, patrocinar planos de previdência para seus empregados. O tratamento e a análise desses pedidos devem ser igualitários, sendo irrelevante o fato de que uma determinada massa de participantes seja oriunda, por exemplo, de um processo de privatização. O que se deve verificar é a presença de requisitos formais e legais para que a retirada possa ser exercida. São esses o dever e competência atribuídos à Previc e que infelizmente não vêm sendo respeitados.
Exatamente por conta dessa situação, as patrocinadoras estão sendo obrigadas a buscar a intervenção excepcional do Judiciário, para que lhes seja assegurado um direito constitucional que vem sendo tolhido pela autarquia, por conta de pressões feitas por entidades de classes e pelo cenário político do país.
Em recente caso envolvendo um dos supracitados pedidos de retirada de patrocínio, após a patrocinadora se deparar com conduta inerte e violadora de princípios constitucionais pela Previc, foi obrigada a buscar ordem mandamental no Judiciário para obrigar o órgão a cumprir a lei. O pedido foi acolhido e a Previc deve, agora, fazer o que já deveria ter feito há mais de um ano: concluir o processo de retirada de patrocínio com base no seu dever de fiscalização.
A judicialização deveria ser excepcional, mas, dado o cenário de incerteza e interferência duvidosa ora narrado, parece ser o destino de todo patrocinador que pretender, nos próximos meses, exercer um direito que lhe foi constitucionalmente outorgado. É necessário que a Previc reveja o seu posicionamento ou passará a sofrer reiteradas derrotas no Judiciário por estar desvirtuando a sua forma de atuar, em total contrariedade ao que está previsto na Constituição Federal.
Fonte: Jota (06/12/2023)
Nota da Redação: O artigo acima não representa a linha editorial desse blog.
Segurança jurídica alegada pelas empresas patrocinadoras significa primeiramente o respeito ao direito adquirido do assistido segundo o que consta no contrato de adesão ao plano de benefício.
A empresa deve ser livre sim para retirar seu patrocínio do plano, mas desde que cumpra todas suas obrigações com o assistido, que possui direitos adquiridos como, por exemplo, participar de outro plano da mesma modalidade, nas mesmas condições e com o mesmo benefício contratado. Dessa forma ninguém seria contrario a retirada de patrocínio.
O onus para a retirada é buscar iguais condições para quem já alcançou seu direito a receber um benefício pelo tempo determinado no contrato de adesão.
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