quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

TIC: Amazon tenta abocanhar mercado de satélite da Starlink



Disputa entre dois dos maiores bilionários do planeta, Bezos e Elon Musk, entra em nova fase com avanço do Projeto Kuiper

Foram uma ou duas horas angustiantes depois que a Amazon lançou seus primeiros satélites. Parecia que a empresa poderia ter perdido um deles. Os dois protótipos entraram em órbita sobre o oceano Atlântico às 14h24, ao leste, em 6 de outubro. Uma antena da Amazon na ilha Maurício, no oceano Índico, fez contato com ambos. Durante uma transferência subsequente para outra estação, apenas um veículo fez check-in. E então o silêncio.

O incidente ameaçou acabar com o clima dos funcionários que se reuniram para comemorar o lançamento na cervejaria Postdoc Brewing, em Redmond, não muito longe da operação espacial da Amazon, na região de Seattle, ambas no estado de Washington. A equipe passou anos construindo satélites do zero e sofreu meses de atrasos no lançamento. Agora que estavam no ar, a Amazon precisava fazer contato para garantir que seus painéis solares fossem implantados.

Caso contrário, as baterias acabariam e os satélites falhariam, um grande revés para o gigante do varejo e da computação em nuvem, que entrou tarde na corrida para construir um negócio lucrativo de venda de acesso à internet a partir da órbita baixa da Terra.

Dentro do Centro de Operações Missionárias da Amazon –uma sala de conferências repleta de grandes monitores de vídeo, computadores e caixas de bebidas energéticas–, a chefe de operações de satélite Yonina DeKeyser e seus representantes trabalharam para reunir os fragmentos de dados que coletaram. Entre o terceiro e o quarto contato, a equipe de orientação, navegação e controle fez a chamada: o satélite desaparecido estava bem. A informação transmitida só poderia ter vindo de um par de naves espaciais saudáveis. Rajeev Badyal, líder do projeto, gritou triunfante.

Na cervejaria, um integrante da equipe olhou para o seu celular e deu um berro, erguendo os punhos cerrados enquanto gritava "Somos força positiva!" Seus colegas aplaudiram. Mais tarde, a equipe descobriu que algumas das antenas terrestres da Amazon estavam procurando o satélite no lugar errado, confundindo o segundo com o primeiro.

Os executivos da Amazon procuram descrever o seu empreendimento em satélites, o Projeto Kuiper, em termos filantrópicos, enfatizando o seu potencial para ligar pessoas em áreas remotas ou empobrecidas à educação e ao comércio global. De forma menos altruísta, a Amazon também espera que o projeto de mais de US$ 10 bilhões de dólares possa transformá-la num gigante global das telecomunicações. A empresa planeja vender antenas em telhados para usuários individuais da internet, serviços de computação em nuvem e recuperação de dados para empresas e conectividade para operadoras de telefonia móvel ligarem torres remotas de celular às suas redes, a partir de 2025.

O Projeto Kuiper está entre as maiores apostas da empresa sediada em Seattle, uma das poucas que sobreviveram nos últimos dois anos em meio à medidas de redução de custos, que eliminou muitos dos projetos especulativos iniciados no final do mandato do fundador, Jeff Bezos, como CEO.

Trata-se de um empreendimento enorme em um setor que teve mais falências do que empresas bem-sucedidas. A banda larga já está amplamente disponível e, em muitos lugares onde não está, não fica claro se as pessoas conseguirão pagar pela internet baseada no espaço. Alguns observadores da Amazon veem o Projeto Kuiper como outra frente na rivalidade entre Bezos e o bilionário Elon Musk, cuja SpaceX opera a constelação de satélites de internet Starlink.

A Amazon está apostando que seu sistema avança no que há de mais moderno e pode oferecer capacidade e velocidades de internet para competir não apenas com a Starlink, que tem uma grande vantagem, mas com empresas de telecomunicações terrestres. No mínimo, a Amazon está construindo uma alternativa ao serviço de Musk, em um momento em que governos e empresas procuram maneiras de reduzir sua dependência do empresário errático e controverso.

Nos últimos dois meses, os engenheiros da Amazon submeteram seus primeiros satélites a uma bateria de testes. Eles fizeram uma videochamada, compraram um foguete de brinquedo na Amazon.com e testaram um sistema de lasers projetado para ampliar o alcance de cada satélite. Agora vem a parte realmente difícil: para cumprir os termos de sua licença com os reguladores, a Amazon precisa construir – e encontrar uma carona para o espaço– o equivalente a dois satélites por dia, todos os dias, até julho de 2026.

PROJETO BUSCA RESPONDER À PERGUNTA: O QUE PODERIA DESACELERAR A AMAZON?

O Projeto Kuiper, batizado em homenagem ao cinturão de planetas anões, gelo e rochas além de Netuno, nasceu de um experimento mental, de acordo com o antigo chefe de eletrônicos de consumo da Amazon, Dave Limp. Bezos pedia periodicamente aos executivos que refletissem sobre obstáculos distantes que poderiam desacelerar a empresa –um exercício que levou a Amazon a gastar bilhões em robôs de armazém e frotas de aeronaves, grandes plataformas e caminhões de entrega.

Há cerca de seis anos, os líderes da Amazon ficaram obcecados pela internet de banda larga. Sua variedade diversificada de negócios, incluindo sites de varejo, estúdios de cinema e software empresarial, depende do acesso à web. "A questão é que, se você realmente quer crescer, precisa encontrar centenas de milhões de pessoas que hoje não são clientes da Amazon", disse Limp, em entrevista. "E qual é a restrição para que elas se tornem?"

Entre outras ideias, a Amazon explorou drones e balões de transmissão pela internet, abordagens experimentadas e abandonadas pelo Facebook, agora Meta, e pelo Google, da Alphabet. Então a Amazon decidiu entregar a internet a partir de satélites.

A ideia não era nova. Na década de 1990, não muito longe da garagem suburbana de Seattle onde Bezos fundou a Amazon, uma empresa chamada Teledesic decidiu lançar uma constelação de centenas de satélites. A maioria dos satélites de comunicações da época repousava numa órbita geoestacionária, que correspondia à rotação da Terra, fixando cada nave em um lugar a partir da perspectiva de alguém no solo. Esses satélites alimentam o sistema de posicionamento global, o rastreamento meteorológico e a navegação na web durante o voo.

A Teledesic imaginou que os satélites em uma órbita muito mais baixa, o domínio das estações espaciais, poderiam aproveitar a viagem mais curta até a Terra para competir melhor com as empresas terrestres de telefonia e internet. Apesar do apoio de Bill Gates, da Microsoft, e do magnata sem fio Craig McCaw, a empresa faliu após o colapso das pontocom, em 2000. Os foguetes eram caros e a indústria aeroespacial preferia continuar fabricando satélites sob medida para os governos.

Cerca de uma década depois, Musk adotou a ideia e eliminou os intermediários. Sua empresa de foguetes, a Space Exploration Technologies, estava reduzindo o custo de entrada em órbita e optou por construir satélites internamente. Musk contratou Badyal, o futuro chefe da Kuiper, para dar vida a isso.

Badyal nasceu na Índia e passou grande parte de sua infância no Kuwait, onde seu pai, arquiteto, trabalhou. Ele veio para os EUA para fazer faculdade, obtendo mestrado em engenharia elétrica e de computação pela Oregon State University. Ele encontrou trabalho em um campus próximo da Hewlett Packard, ajudando a projetar o cabeçote de impressão que transfere tinta para a página em impressoras jato de tinta. Mais tarde, ele trabalhou nos primeiros mouses ópticos, poupando as gerações futuras da tarefa de limpar uma bola rastreadora suja, antes de se mudar para a Microsoft, onde ajudou a criar o malfadado reprodutor de música Zune da empresa.

Os rápidos avanços tecnológicos em eletrônicos de consumo possibilitaram que empresas fora da indústria aeroespacial construíssem satélites. Pessoas como Badyal, adeptas de navegar pelas mudanças de design e da fabricação em massa em tempo real, tinham as ferramentas certas para uma nova geração de satélites que poderiam ser construídos de forma rápida e barata. Depois de ingressar no projeto Starlink em 2014, Badyal abriu uma loja na periferia de Redmond. Os dois primeiros satélites foram lançados em um foguete SpaceX quatro anos depois.

MUSK MANDOU FUNCIONÁRIO EMBORA –E ELE FOI FAZER SATÉLITES COM BEZOS

Em junho de 2018, Musk voou para Seattle. Logo depois, Badyal e grande parte de sua equipe foram eliminados. Os colegas foram informados de que haviam sido demitidos. Badyal diz que ele e Musk simplesmente decidiram se separar. Musk colocou outra pessoa no comando do setor e lhe ordenou que reduzisse o projeto ao mínimo, em um esforço para fazer com que um sistema básico funcionasse o mais rápido possível. Hoje, a SpaceX afirma estar construindo seis satélites por dia. São mais de 5.000 em órbita, atendendo a mais de 2 milhões de clientes.

É uma máxima de Bezos que a Amazon só entra em novos campos quando tem experiência –ou pode adquiri-la rapidamente. A iniciativa de satélite da Amazon era um esboço de duas páginas quando Limp soube que a equipe fundadora da Starlink estava procurando trabalho. Ele ligou para Badyal em agosto de 2018.

Dois meses depois, Badyal e cinco colegas ex-Starlink estavam na Amazon, desenhando uma nova constelação em duas salas de conferência obscurecidas por uma cortina preta que funcionários curiosos viam como um convite para darem uma olhada. "Foi muito seguro", brincou Naveen Kachroo, uma das primeiras contratadas. Quando o seu plano –3.236 satélites cruzando o globo a uma altitude entre 590 e 630 quilômetros– se tornou público meses depois, Musk chamou Bezos de imitador no Twitter.

Os engenheiros da Amazon projetaram um terminal, um dispositivo que seria usado pelos clientes para receber dados de satélites, que eles imaginavam que poderia ser fabricado por cerca de US$ 750. Bezos os mandou de volta para a prancheta. Precisava ser ainda mais barato. O chefe de antenas da Amazon, Nima Mahanfar, e sua equipe combinaram algumas funções de antena, e a empresa diz que agora pode construir seu terminal principal de 11 polegadas quadradas por menos de US$ 400. Ele oferece velocidades de Internet de até 400 megabits por segundo, aproximadamente o dobro da velocidade média da banda larga nos lares dos EUA.

Fonte: Bloomberg (18/12/2023)

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