sábado, 23 de dezembro de 2023

Fundos de Pensão: Resolução que trata da Retirada de Patrocínio traz avanços ao sistema, mas contém desafios jurídicos



Entenda melhor o que muda na Retirada de Patrocínio

Trazendo avanços importantes para o sistema de Previdência Complementar Fechada, a Resolução do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) nº 59, de 13 dezembro de 2023, que regula os processos de retirada de patrocínio, gera melhores perspectivas para a proteção dos direitos dos participantes e assistidos dos planos previdenciários.

A norma foi aprovada por unanimidade no CNPC, sem prejuízo das ressalvas registradas pela Abrapp, em reunião presidida pelo Ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. Acesse aqui a Resolução CNPC/MPS nº 59/2023 na íntegra.

Além de trazer avanços, a Resolução também é passível de enfrentar desafios e riscos jurídicos. Para explicar melhor todos esses pontos, a Abrapp organizou um webinar, realizado nesta quinta-feira, 21 de dezembro, com especialistas que levaram ao público maior compreensão sobre as regras estabelecidas para a retirada de patrocínio.

“A Resolução nº 59 cumpriu com o objetivo de olhar para o participante no momento de retirada de patrocínio, que é direito do patrocinador. Mas precisamos de patrocinadores, e o participante precisa ter sua proteção em caso de sua saída”, disse o Diretor-Presidente da Abrapp, Jarbas Antonio de Biagi, na abertura do webinar.

Ele ressaltou que a norma é fruto das discussões do Grupo de Trabalho instalado por meio do Decreto nº 11.543/2023, que estabeleceu inicialmente entre os temas prioritários para serem discutidos em subcomissão a retirada de patrocínio e rescisão unilateral do convênio de adesão, e equacionamento de déficits.

Foram 12 reuniões realizadas pela Subcomissão 2, que tratou da retirada de patrocínio, com participação da Abrapp e demais associações. “Foi um grande avanço por parte da Previc de tentar, de certa forma, equalizar tanto o lado das patrocinadoras, quanto dos participantes”, disse o Diretor de Licenciamento da Previc, Guilherme Campelo.

“Tentamos resguardar as cláusulas previdenciárias, direito adquirido e benefício vitalício, mas sem, do lado das patrocinadoras, onerar muito. A norma deve ser igualitária”, reforçou ele, que foi responsável pela condução da subcomissão durante as reuniões do GT.

Segundo o diretor, mesmo que a previdência complementar seja facultativa, ela está dentro da ordem social, e a norma visou, principalmente, prezar pela manutenção de um plano de benefício ainda que haja a saída de um patrocinador.

Para preservação do planos, a Resolução nº 59 criou os seguintes dispositivos:

  • Plano Instituído de Preservação da Proteção Previdenciária (PIPPP), na modalidade de Contribuição Definida (CD), criado para receber a massa de participantes e assistidos dos planos que foram objeto de retirada de patrocínio ou de rescisão de convênio de adesão.
  • Fundo Previdencial de Proteção da Longevidade (FPPL), que deve proteger o risco de longevidade dos participantes e assistidos que optarem pela permanência no PIPPP.

“A entidade, ao protocolar a retirada de patrocínio na Previc, deve indicar o plano que será oferecido ao participante, e uma entidade associativa deve ser responsável por instituir esse plano”, explicou Campelo. “A norma dá maior preservação da proteção previdenciária e da longevidade por meio do Fundo Previdencial de Proteção da Longevidade. Buscamos, assim, o equilíbrio do contrato previdenciário em cenário de descontinuidade”.

Ele reiterou que a retirada de patrocínio deveria ser uma exceção, e não regra geral, havendo outras formas de manter um plano, como a migração ou a incorporação do plano, como ocorreu no caso da Natura, que absorveu o plano de previdência da Avon após adquirir a companhia. “Isso sim é fomentar a previdência complementar do nosso país”, ressaltou Campelo.

Aspectos técnicos – “A retirada de patrocínio é um tema recorrente para nós, que teve conotações técnicas profundas”, disse o Superintendente-Geral da Abrapp, Devanir Silva, moderador do webinar realizado nesta quinta.

Ele explicou que a Abrapp esteve representada na reunião do CNPC por Luis Ricardo Martins, e alguns pontos importantes foram colocados, exigindo a reflexão a qual o webinar se propôs.

Analisando os aspectos técnicos da norma, o Atuário e Especialista da UniAbrapp, Sérgio Cardoso, destacou que uma das grandes novidades é a figura do PIPPP. “Agora, o participante tem uma lógica inversa e automaticamente é transferido para esse plano, da modalidade CD, que precisa ser estruturado e criado pela entidade”, disse.

Apesar de ser uma adesão automática, Cardoso explicou que o participante pode optar por sair do plano no prazo de 120 dias, sacando suas reservas, adquirindo renda vitalícia, transferindo-as para outro plano, ou ainda combinando as três opções, e nesse caso, o resgate fica limitado a 25% da reserva.

“No caso de não se manter no plano, o participante não terá acesso aos recursos do Fundo Previdencial de Proteção da Longevidade”, pontuou o atuário, lembrando que o FPPL visa proteger o risco de longevidade dos participantes e assistidos que optarem pela permanência no plano. “O risco atuarial do fundo será compartilhado entre os participantes e assistidos, já que não haverá patrocinador”.

Responsabilidade do patrocinador – Quando for feito o cálculo das obrigações de retirada de patrocínio, o patrocinador deve assumir, como já é de costume segundo as regras atuais, a diferença entre valor contabilizado dos ativos, as despesas administrativas, e a obrigação decorrente de participante com expectativa de vida abaixo de cinco anos, além das parcelas de contribuições normais futuras de benefícios de sua responsabilidade.

Cardoso destacou que a norma estabelece novidades, entre elas, que o atuário faça um cálculo com obrigações utilizando uma tábua geracional, visando projetar melhorias nas taxas de sobrevivência em relação ao futuro. “Essa tábua considera a mudança de mortalidade de um grupo. E o patrocinador deve arcar com o custo de implantação de um novo plano ou adaptar um plano já existente”, disse.

Assim, o atuário exemplificou os impactos da retirada de patrocínio antes e depois da Resolução nº 59, conforme podemos visualizar na tabela* a seguir:

Antes
Depois
A reserva de contingência, em caso de superávit, era destinada exclusivamente para participantes e assistidos, e a reserva especial era dividida entre participantes e patrocinador.
Todo excedente do plano vai para o participante. A reserva de contingência é destinada ao FPPL, bem como a reserva especial.
O fundo administrativo era dividido entre participantes e patrocinador, e o patrocinador era obrigado a fazer aportes relativos aos participantes com expectativa abaixo de cinco anos.
O fundo administrativo passa a ser dividido entre o FPPL e os participantes e assistidos. O patrocinador deve fazer, além do aporte relativo ao adicional referente a participantes com expectativa menor que cinco anos, aporte relativo ao impacto da tábua geracional no plano.
O fundo previdencial e o fundo para garantia de operações com participantes eram destinados de acordo com critérios estabelecidos no termo de retirada de patrocínio do plano.
Os fundos previdenciais vão para o FPPL, sendo uma parcela destinada aos participantes e assistidos. O fundo para garantia de operações com participantes segue sendo destinado de acordo com critérios estabelecidos no termo de retirada de patrocínio do plano.

*Informações retiradas do webinar “Nova Resolução – Retirada de Patrocínio” da Abrapp

Aspectos jurídicos – A Resolução nº 59 busca a preservação da proteção previdenciária após a retirada de patrocínio e torna o processo de retirada de patrocínio mais oneroso para patrocinador retirante, podendo dificultá-lo.

Para analisar esses aspectos, o Secretário Executivo do Colégio de Coordenadores de Assuntos Jurídicos da Abrapp, Luiz Fernando Brum, fez uma apresentação durante o webinar, destacando os principais riscos que a norma pode trazer. Sua avaliação jurídica foi feita a partir do Decreto nº 10.411/2020, que regulamenta a análise de impacto regulatório que deve preceder qualquer norma.

“Na hipótese de não haver a viabilidade de criação do PIPPP, deve-se criar outro plano ou indicar outra entidade para transferir o plano. Dentro desse objetivo de oferecer uma proteção previdenciária, houve a criação do FPPL”, disse Brum. Segundo ele, há uma tentativa, que não é garantia, da preservação da proteção previdenciária a partir desses dispositivos.

“Anteriormente, oferecia-se um leque de alternativas aos participantes e assistidos após a retirada de patrocínio, Agora, o grupo será transferido ao PIPPP e terá a opção de fazer sua escolha, seja pela transferência pela reserva matemática, pela aquisição de renda vitalícia em entidade aberta, ou pelo recebimento da reserva matemática individual”, explicou, reiterando que pode haver também transferência de gerenciamento do plano.

O FPPL estabelece a possibilidade de redução do valor do benefício, continuou Brum, e como há um caráter atuarial e mutualista, deve ser reavaliado anualmente. “A responsabilidade é exclusiva dos participantes e assistidos, podendo deixar de existir em caso de inviabilidade atuarial, sem vínculo ou responsabilidade do patrocinador retirante”.

Já no caso da reserva especial dos fundos previdenciários, o patrocinador tinha direito a parte desses recursos, e na norma atual deixará de ter, bem como o fundo administrativo, que anteriormente poderia ser rateado, e agora deve ser destinado ao PIPPP.

“A norma estabelece que esses recursos sejam utilizados para cobertura das despesas necessárias do processo de licenciamento de retirada do patrocínio e também para criação do PIPPP”, pontuou Brum.

Segundo ele, o aumento do custo ao patrocinador decorre ainda da previsão de que ele deve arcar com o montante do recálculo considerando a tábua biométrica de mortalidade geral vigente no seu plano, com aplicação da escala geracional.

Riscos judiciais – Brum destacou também quais pontos da Resolução que podem gerar riscos de questionamentos por meio da via judicial. São eles:

Art. 5, que estabelece a documentação que deve ser apresentada para retirada de patrocínio, e inclui uma declaração atestando:

  1. o cumprimento de todos os dispositivos do regulamento do plano de benefícios em procedimento de retirada de patrocínio, do convênio de adesão e do Estatuto da entidade, vigentes na data da notificação;
  2. o cumprimento de todas as obrigações previdenciárias assumidas em acordos decorrentes de reestruturação societária, programas de desestatização, acordos e convenções coletivas de trabalho;
  3. a inexistência de impedimentos contratuais ou legais ao exercício da retirada de patrocínio.

Segundo Brum, há alguns estatutos que estabeleciam a obrigatoriedade de manter o patrocínio de determinado plano. Além disso, antigamente era comum prever, no edital de privatização de empresas, a manutenção da entidade de previdência referente àquela companhia, ou o oferecimento de determinado plano de benefício, mas isso deixou de constar nos editais recentes.

Ele disse ainda que há acordos coletivos celebrados entre patrocinador e sindicatos que estabelecem, como um dos benefícios, o oferecimento do plano de previdência. “Abre-se a possibilidade de uma discussão prévia da Previc para avaliar esses instrumentos e, eventualmente, concluir que, diante dessas previsões, não haveria condições para se retirar patrocínio”, disse.

A aplicabilidade da norma aos processos de retirada já em andamento também são um ponto sensível, disse Brum, principalmente no que se refere ao seguinte artigo:

Art. 26. O disposto nesta Resolução aplica-se aos processos de licenciamento de retirada de patrocínio em andamento, pendentes de autorização pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar.

“Há entendimentos diversos sobre essa questão, principalmente na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), de que qualquer norma não pode retroagir, e que há necessidade de se observar o ato jurídico perfeito, direito adquirido e a coisa julgada”, explicou.

A soma dos riscos é o maior risco de judicialização da questão, concluiu Brum. “Isso não é saudável, principalmente sob aspecto da segurança jurídica”, reforçou.

O webinar Nova Resolução – Retirada de Patrocínio está disponível no canal da Abrapp no YouTube e já conta com mais de mil visualizações.

Fonte: Abrapp em Foco (21/12/2023)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

"Este blog não se responsabiliza pelos comentários emitidos pelos leitores, mesmo anônimos, e DESTACAMOS que os IPs de origem dos possíveis comentários OFENSIVOS ficam disponíveis nos servidores do Google/ Blogger para eventuais demandas judiciais ou policiais".