A rentabilidade dos investimentos realizados pelos fundos de pensão em 2020, em meio às turbulências criadas pelo impacto da pandemia, revelou um resultado equilibrado e até mesmo positivo em relação ao custo de oportunidade dessas carteiras. Em ambiente de juros muito baixos, a maioria das fundações superou com folga o CDI e outros indicadores no final do ano, mas isso não foi suficiente para que atingissem suas metas atuariais.
“O segundo semestre trouxe duas surpresas: uma delas foi a reação favorável dos mercados, que tiveram desempenho excepcional em novembro e dezembro, em grande parte impulsionado pela eleição nos EUA e pela volta do fluxo positivo de investimentos estrangeiros”, comenta o Sócio da Aditus Consultoria Financeira, Guilherme Benites. Ao mesmo tempo, porém, houve um aumento da pressão inflacionária no cenário doméstico, elevando não apenas o IGP-M, mas também os demais indicadores, com ênfase na alta do INPC, bem acima do que era esperado, o que puxou as metas para cima. O resultado é que apenas uma minoria de fundos conseguiu bater suas metas, segundo a Aditus.
Houve ainda um complicador extra, que tende a ter desdobramentos nas políticas de investimentos para 2021. “As fundações vinham superando suas metas com relativa tranquilidade desde 2016 e muitas usaram esse pequeno superávit para reduzir suas taxas atuariais, movimento que aumentava seus passivos, mas era compatível com o cenário de juros mais baixos pagos pelos títulos públicos federais”. No ano passado, entretanto, essa redução foi muito leve, uma vez que as entidades não conseguiram gerar superávits.
Por conta disso, a grande maioria delas continuará com metas elevadas em termos reais e terá de encarar o desafio de atingir benchmarks e metas num cenário de mercado que ficou mais conturbado desde o final do ano passado. “As políticas de investimento refletem o ambiente mais complexo e a busca por maior rentabilidade deverá levar ao aumento em média de 50% nos orçamentos de risco nas carteiras para este ano”, diz Benites.
A estimativa da Aditus é de que o target para o percentual médio destinado à bolsa suba de 10% para 15% dos ativos totais das fundações, enquanto na alocação em fundos multimercados esse target será ampliado de 4% para 6% e saltará de 2% para 4% na média dos investimentos em exterior.
“Os resultados obtidos pelas entidades que acompanhamos mostram que nos planos de benefício definido elas conseguiram superar as metas muito de perto, o que foi um desempenho importante frente a uma inflação muito pressionada”, avalia o Diretor de Previdência com foco em Investimentos da Luz Soluções Financeiras, Leonardo Ozorio. Ele destaca o fato de que as fundações aprenderam uma lição valiosa na crise de 2020 e não entraram em pânico. Ninguém saiu vendendo ativos de modo a comprometer sua disciplina de investimentos.
Nos planos de contribuição definida, os resultados foram bons, na média, mas a maioria não conseguiu retorno positivo nem superou benchmarks porque esses planos eram menos dinâmicos em suas estratégias de investimentos.
Aqueles fundos de pensão que tinham planos com perfis ou políticas mais vinculadas aos títulos de renda fixa referenciados em CDI não conseguiram bater suas metas atuariais e tiveram déficits relevantes no final de 2020, com problema para manter equilíbrio das reservas, analisa o líder da área de Previdência da Willis Towers Watson, Evandro Oliveira.
O consultor da Willis Towers explica que o problema foi mais grave com aquelas que erraram no timing de fazer seus movimentos de ajuste. “De modo geral, a busca de rentabilidade foi difícil em 2020 e ao mesmo tempo a necessidade de reduzir taxas de juros atuariais aumentou os passivos. Então foram duas variáveis ocorrendo ao mesmo tempo”, afirma Oliveira. Em 2021, há espaço principalmente para mudança nos planos de contribuição definida que ainda não ajustaram suas políticas.
Cenário incerto
Na avaliação da Luz, as políticas de investimento em 2021 serão implementadas em contexto político e econômico não muito diferente do que houve no ano passado, já que o cenário fiscal continua muito incerto, com dúvidas em várias frentes. As incertezas incluem a definição do auxílio emergencial e o aparente viés político adotado pelo Executivo ao abrir mão de impostos sobre o diesel, por exemplo. A partir do segundo semestre, ressalta Ozorio, as ações estarão voltadas para a eleição de 2022, o que criará novos focos de preocupação em relação às contas públicas.
Neste contexto, as fundações deverão buscar não apenas a diversificação geográfica e nas diversas classes de ativos, mas também em termos de duration. Isso deve ser feito com o objetivo de fugir da concentração apenas num ponto da curva de juros, sugere Ozorio. “Todas as simulações que fizemos com as entidades clientes, em vários cenários, apontaram uma expectativa de rentabilidade maior sem aumentar os limites dos orçamentos de risco”.
O termômetro do juro
Ponto quase pacífico entre consultores de investimentos este ano, a alta da Selic só permite dúvidas quanto à sua dimensão e velocidade. “Há divergências na discussão de até onde irá a Selic, mas ninguém está confortável a ponto de acreditar que o Banco Central poderá controlar a inflação”, pondera Benites.
O consultor da Aditus explica que, desse modo, o tamanho da migração para o risco poderá mudar e vir com menor intensidade do que o previsto. A direção desse movimento não mudará porque será ainda mais difícil bater as metas este ano. Para Benites, são dois os desafios colocados à frente: a busca de rentabilidade e o ajuste das taxas atuariais.
O ponto positivo é que os mercados globais dão sinais de relativa tranquilidade no momento, com maior harmonia na política do presidente dos EUA Joe Biden para o comércio internacional. “O problema fiscal brasileiro é o principal complicador no momento e os mercados andam tensos”, afirma Benites referindo-se ao impacto das mudanças na governança da Petrobras anunciadas na sexta-feira, dia 19 de fevereiro. “O nível do juro doméstico é hoje o principal termômetro dessa desconfiança fiscal do mercado. O movimento da Bolsa nos últimos dias não trouxe preocupações novas, apenas acentuou a preocupação que já havia”, assegura.
Diversificação
Para Leonardo Ozorio, será fundamental que as estratégias de investimentos dos fundos de pensão sejam mais dinâmicas do que foram em 2020. “Não dá mais para montar uma posição e ficar esperando que o cenário convirja para ela. Será preciso surfar melhor as ondas que vão aparecer no horizonte de alta volatilidade”. Entre as mudanças já incluídas nas políticas deste ano, ele ressalta o apetite crescente pela classe de estruturados, que já começa a ser aceita inclusive nas carteiras de perfil conservador.
Os fundos multimercado estruturados e o investimento no exterior serão os principais destaques nos orçamentos de risco para este ano, reforça o líder da área de Investimentos da Mercer Brasil, Maurício Martinelli. “Grande parte das fundações que acompanhamos aumentou os percentuais nessas duas classes, até porque na renda variável os planos de benefícios já vinham mais equilibrados e o seu modelo de perfis de investimento permite definir bem esses percentuais”, afirma Martinelli. Com uma média de 15% a 17% dos ativos alocados em Bolsa pelos perfis moderados e perto de 30% nos agressivos, resta pouco espaço para ir muito além.
Os fundos multimercados estruturados, cujos benefícios de diversificação já foram bem incorporados pelas entidades em 2020 e agora abrem espaço para produtos com maior orçamento de risco. “As políticas este ano estão colocando fatias de 5% até 7% de multimercados estruturados mesmo nos perfis mais conservadores, como alternativa para agregar rentabilidade. Já fizemos simulações nesse sentido para pelo menos dez fundos com planos de benefício definido”, sublinha Martinelli.
Com o aumento do interesse também pelo exterior, a Mercer estruturou dois processos de seleção de gestores de investimentos nessa classe este ano. Os percentuais alocados saíram de uma média de 5% a 6% para 8% em 2021 e as fundações buscam novas estratégias, saindo da gestão passiva em Bolsa para apostar inclusive em novos horizontes geográficos, com destaque para a Ásia.
Fonte: AMEC (28/02/2021)
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